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Opinião
Arquivar a dor: 133 famílias esquecidas pela Câmara de Lisboa

 

Arquivar a dor: 133 famílias esquecidas pela Câmara de Lisboa

29 de julho de 2025

O executivo de Carlos Moedas decidiu hoje arquivar o inquérito interno à anulação do sorteio n.º 29 do Programa Renda Acessível (PRA), relativo à atribuição de 133 habitações municipais. A decisão representa um duro golpe na confiança das famílias que, por um breve momento, acreditaram ter garantido um lar compatível com os seus rendimentos — uma vitória rara num contexto de grave crise habitacional.

O erro, justificado pela autarquia como uma “falha técnica” provocada por “erro humano”, teve consequências bem reais para as 133 famílias inicialmente sorteadas. A Câmara Municipal de Lisboa anulou o sorteio no dia seguinte à sua realização, argumentando que este não cumpria a exigência legal de ato público. Mas para os lesados, tratou-se de uma das maiores frustrações das suas vidas, ao verem desaparecer, em poucas horas, a esperança concreta de uma casa com renda acessível.

O inquérito agora encerrado concluiu não existirem fundamentos para sanções disciplinares. Mas para quem foi afetado, essa conclusão pouco ou nada diz. A própria vereadora da Habitação admitiu que alguém carregou “inadvertidamente” no botão do sorteio enquanto se realizavam testes à plataforma digital, propondo como solução que, no futuro, sejam “duas pessoas a carregar” para evitar repetições. A banalização do episódio é chocante, perante o impacto emocional e familiar causado.


«Arquivar o processo interno pode aliviar consciências institucionais. Mas não arquiva o sofrimento nem a humilhação infligida às 133 famílias lesadas...» 

Nenhuma força política no executivo ou na oposição se insurgiu com firmeza contra o dano moral provocado às 133 famílias lesadas. A proposta do PS para a realização de uma auditoria externa foi aprovada por unanimidade, mas ficou por aí. A ausência de assunção política de responsabilidades é evidente, numa altura em que milhares de famílias esperam há anos por uma oportunidade de acesso à habitação.

A Câmara não pode lavar as mãos atrás de um inquérito técnico, como se os erros administrativos fossem meros lapsos sem consequência humana. A oposição não pode ficar descansada porque propôs e viu aprovada a realização de uma auditoria externa...

Arquivar o processo interno pode aliviar consciências institucionais. Mas não arquiva o sofrimento nem a humilhação infligida às famílias que, pela primeira vez, sentiram que o sistema funcionava — só para descobrirem que era, afinal, mais uma ilusão. E essa ferida, por enquanto, continua aberta.


António Baptista da Silva

Sénior partner do «Diário Imobiliário»