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Opinião

 

Segurança na Construção: custo ou investimento?

3 de maio de 2022

Assinalou-se no passado dia 28 de abril o “Dia Mundial da Segurança e Saúde no Trabalho (SST)”, mas não teremos todos os motivos para celebrar.

O setor da construção civil e obras públicas, seguido de setores como os de transportes, manufatura, agricultura, sivicultura e pesca, destaca-se como o mais crítico no domínio da SST: só em acidentes mortais continua a ser responsável por mais de 20% do total registado na UE, situando-se Portugal acima da média europeia, ultrapassado apenas por países do Leste ou casos como França e Espanha. As principais causas de acidentes mortais na construção são quedas em altura, esmagamentos e soterramentos.

De facto, além da sua elevada importância para a economia portuguesa, o setor apresenta um conjunto de fatores distintivos face a outras indústrias, que o tornam particularmente crítico no que diz respeito à gestão do risco em matéria de SST, salientando-se: a pressão financeira, os prazos curtos, a cultura tradicionalista, a fragmentação da indústria (mais de 99% são PMEs, com recursos limitados), as elevadas dimensões para a escala humana, as condicionantes naturais, o longo ciclo de vida das obras (desde meses a anos), a mão-de-obra flutuante e com reduzidos níveis de formação e qualificação, a falta de planeamento e a dificuldade em garantir a integração e colaboração das várias entidades intervenientes no desenvolvimento de um empreendimento de construção.

Segundo o “Código do Trabalho” (lei nº 7/2009), o trabalhador tem direito a trabalhar em condições que garantam a sua segurança e saúde, em todos os aspetos relacionados com a sua função, devendo assim o empregador mobilizar todos os meios necessários nos domínios da prevenção e da formação, informação e consulta dos seus colaboradores. Neste sentido, o “Regime Jurídico da Promoção da Segurança e Saúde no Trabalho” (lei nº 102/2009) define claramente aquilo que são os princípios gerais de prevenção e as obrigações da entidade empregadora, mas também do trabalhador, que deve cooperar ativamente no cumprimento e melhoria, ao nível individual e coletivo, das disposições legais e regulamentares em matéria de SST.

Em Portugal, a “Autoridade para as Condições do Trabalho” (ACT), sob a administração do “Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social” e alinhada com a “Agência Europeia para a Segurança e Saúde no Trabalho”, é a entidade estatal responsável por supervisionar e promover o cumprimento das normas laborais e da legislação relativa à segurança, em particular nos setores de atividade privados.  

O enquadramento legal da SST aplicada à construção remonta aos últimos anos da monarquia, onde em 1895 foi publicada a primeira lei neste domínio, surgindo posteriormente, em 1958, e ainda em vigor, o “Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil” (decreto nº 41821/58). Mais recentemente, a produção legislativa teve um grande impulso na sequência da transposição das diretivas da UE para a lei portuguesa, destacando-se o exemplo da “Diretiva Estaleiros nº 92/57/CEE”, que baseou o renomado diploma sobre as “Condições de Segurança e de Saúde no Trabalho em Estaleiros Temporários ou Móveis” (decreto-lei nº 273/2003).

Esta legislação prevê, para praticamente todas as obras, a implementação de instrumentos fundamentais em matéria de SST, como é o caso do Plano de Segurança e Saúde (PSS) e da Compilação Técnica da Obra (CTO). Contempla também, para a generalidade dos casos, figuras como o Coordenador de Segurança em Projeto (CSP) e o Coordenador de Segurança em Obra (CSO), a serem nomeadas pelo Dono da Obra (DO), constituindo a sua falta uma contraordenação muito grave.

Não obstante toda a panóplia regulamentar e legislativa, existem várias falhas ao nível prescritivo, como a indefinição das qualificações necessárias para as funções de CSP e CSO, e da fiscalização e controlo. Do lado da execução, destaca-se a falta de consciencialização, formação e qualificação, e a sensibilidade aos custos de investimento.

A não esquecer, contudo, os potencialmente elevados custos de oportunidade de um acidente de trabalho, relacionados com perdas de produtividade e reputação ou até mesmo com encargos não assumidos pelas seguradoras em casos de negligência. A saber ainda que os casos de negligência para com regras legais, regulamentares ou técnicas, que causem perigo para a vida ou integridade física de outrem, segundo o “Código Penal” (decreto-lei nº 48/95), podem implicar pena de prisão de 1 a 8 anos.

Existem várias iniciativas que podem ser tomadas para melhorar a conformidade em matéria de SST, as quais, além de colmatar lacunas na legislação, passam necessariamente pela implementação e monitorização de sistemas de gestão ao nível organizacional (e.g. ao abrigo da ISO45001), segundo uma abordagem top-down com uma estratégia e liderança capazes de mobilizar a participação de todos, e por mais e melhores práticas de planeamento e fiscalização.

Uma boa gestão da SST possibilita benefícios como o aumento de produtividade, a redução de absentismo e de indemnizações, e, nalguns países, prémios de seguro mais baixos, benefícios fiscais, subsídios e auxílios estatais. As empresas com padrões mais elevados em matéria de SST são tendencialmente mais bem-sucedidas e sustentáveis, mostrando-se ainda que, em média, por cada euro investido em SST existe um retorno de aproximadamente dois euros.

A formação e a qualificação são fatores-chave de sucesso para a SST, assim como o grau de exigência dos Donos de Obra neste domínio e, sobretudo, a consciencialização generalizada por via de uma comunicação ativa para a prevenção de riscos, que implica sempre um planeamento cuidado, algo culturalmente pouco incutido na indústria da construção.

Podemos não estar perante um tema tão fascinante como, por exemplo, a sustentabilidade ambiental ou a transformação digital, mas devemo-nos perguntar, além de todo o potencial retorno económico inerente a uma adequada gestão da SST: qual é o valor de uma vida? 

Bruno de Carvalho Matos

Engenheiro Civil Sénior MRICS PMP MSc e MBA pela Católica | Nova

*Texto escrito com novo Acordo Ortográfico