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Faltam 70 mil trabalhadores para o sector da construção

3 de janeiro de 2022

Manuel Reis Campos, presidente da CPCI - Confederação Portuguesa da Construção e Imobiliário, revela que em 2021, um dos pontos que se destacou pela positiva foi a reafirmação da resiliência do sector, no entanto, alerta para a falta de mão-de-obra qualificada, identificando-se a falta de cerca de 70 mil trabalhadores no sector, e persistindo um grande desfasamento, no mercado de trabalho, entre a procura e a oferta de emprego.

Como o mercado imobiliário enfrentou 2021 e a pandemia que afectou o mundo e o imobiliário português?

De uma forma global, ao longo do ano 2021, o sector continuou a dar um imprescindível contributo positivo para a economia nacional, estimando-se que o ano termine com um crescimento da produção de 4,3%, com a generalidade dos indicadores relativos ao mercado imobiliário a registar um comportamento positivo, destacando-se o aumento de 7,4% das licenças emitidas pelas Câmaras Municipais até outubro, o aumento de 9,9% do índice de preços na habitação no 3º trimestre, o número de transações de alojamentos que cresceram 25,4% até setembro, em termos homólogos.

Estima-se, assim, que produção no segmento de construção de edifícios residenciais cresça 4,5% em 2021, reflectindo uma evolução positiva da procura nacional e estrangeira, mas, relativamente ao segmento não residencial privado, o mais afectado pela pandemia e pelo seu impacto em actividades como o turismo, é esperada uma redução de 1% face a 2020.

Quais os pontos positivos e negativos deste ano para o sector?

Em 2021, um dos pontos que se destacou pela positiva foi a reafirmação da resiliência do sector e do seu imprescindível papel para a retoma da economia. Efetivamente, e no plano do investimento privado, o imobiliário nacional prosseguiu uma trajetória de consolidação e de reafirmação do seu posicionamento competitivo à escala internacional porque os fatores estruturais deste mercado mantiveram-se inalterados, apesar da pandemia. A solidez e a qualidade da oferta do imobiliário nacional, o ambiente social, o património histórico e cultural, o clima ameno e a diversidade do nosso território, incluindo o potencial do Interior, a par do esforço de afirmação do imobiliário nacional, levado a cabo pelo Setor, mantiveram condições positivas para este mercado.

Um outro ponto positivo foi o reconhecimento, na própria Estratégia Europeia de Recuperação e Resiliência, da importância do investimento público. No plano nacional, a concretização dos investimentos previstos no PRR – Plano de Recuperação e Resiliência, e no PNI - Programa Nacional de Investimentos 2030, foi assumida como fundamental, já que o País não pode ficar à margem de uma Europa que aposta neste Setor para emergir desta crise mais preparada para os desafios da competitividade e da sustentabilidade.

Como pontos negativos, destacam-se, por um lado, a falta de mão-de-obra qualificada, identificando-se a falta de cerca de 70 mil trabalhadores no sector, e persistindo um grande desfasamento, no mercado de trabalho, entre a procura e a oferta de emprego, que resulta, sobretudo, de um desajustamento da Formação Profissional. Por outro lado, verifica-se uma subida anómala dos preços das matérias-primas, da energia e dos materiais de construção, com o índice S&P GSCI Energy and Metals a registar, no final do mês de Novembro, um crescimento anual de 31,2%, apontando-se para um aumento médio dos custos de cerca de 18% nos contratos públicos em curso em Portugal devido ao aumento do preço dos materiais. Estes são assinalados pelas empresas como os dois principais factores que condicionam a sua actividade e que, como temos afirmado, têm de ser objecto de medidas concretas já que não podem colocar em causa a retoma da economia.

O que podia ter sido feito e não foi? 

Um dos aspectos mais relevantes é a definição de uma rigorosa calendarização e execução dos projectos planeados, que é essencial e têm de ser realizada ao longo dos próximos meses, porque é determinante para a implementação dos investimentos em infraestruturas previstos no PNI 2030, para o aproveitamento dos recursos do Portugal 2020, que se encontra na sua fase final, e para a plena execução do PRR. Mas, é também, necessário ultrapassar os actuais constrangimentos à actividade que referi, designadamente os problemas da falta de mão-de-obra e dos preços dos custos de construção, através da adopção de soluções ajustadas.

A reorientação da formação profissional, para que esta possa dar resposta às necessidades do mercado, tirando partido dos centros de excelência do sector, o CICCOPN e o CENFIC é essencial. É preciso promover um alinhamento entre a procura e a oferta de trabalho, já que não faz qualquer sentido coexistirem fenómenos como o desemprego e a falta de recursos humanos nas empresas. Em Outubro passado, o total nacional de desempregados inscritos nos centros de emprego era de 316.715, dos quais, 29.585 são oriundos da fileira da Construção e Imobiliário, ou seja, praticamente o mesmo número que se verificava antes da eclosão do surto pandémico. Complementarmente, deve ser promovida a mobilidade transnacional da mão-de-obra, permitindo às empresas internacionalizadas uma gestão mais dinâmica e eficiente dos seus recursos humanos.

No que diz respeito à subida dos preços das matérias-primas, da energia e dos materiais de construção, e a exemplo do que se passa noutros países europeus como a França e a Itália, defendemos medidas capazes de salvaguardar o tecido empresarial. É necessário definir preços base realistas dos concursos, utilizar plenamente mecanismos como a alteração anormal e imprevisível de circunstâncias para reequilibrar os contratos, adequar as fórmulas de revisão de preços dos contratos para reflectir de forma ajustada as variações dos custos efectivos e criar um fundo nacional que possibilite aos donos de obra pública fazer face a variações significativas de preços nas empreitadas, assegurando que as empresas são justamente ressarcidas.

E para 2022? Perante uma nova vaga com uma nova variante do vírus, quais as principais preocupações e as possíveis consequências para o mercado imobiliário e construção?

Naturalmente que estamos atentos à evolução da situação pandémica porque as consequências de um agravamento da mesma e a eventual implementação de novas medidas de confinamento e os seus impactos nas cadeias logísticas e de produção globais, representam dificuldades acrescidas para as nossas empresas. Os problemas que referi, relativos à evolução dos custos de construção e à falta de mão de obra qualificada são preocupações actuais, porém, como disse, os factores estruturais do mercado imobiliário e o papel do sector para a recuperação da economia mantém-se inalterados e, como temos defendido, factores externos à dinâmica da produção do sector não podem condicionar a sua actividade e é imprescindível criar mecanismos efectivos que permitam ultrapassar os problemas de natureza conjuntural que o país enfrenta, porque emergir mais forte e competitivo é um desafio colectivo que Portugal tem de ser capaz de atingir.

https://www.diarioimobiliario.pt/Actualidade/Resiliencia-e-a-palavra-que-define-o-mercado-imobiliario-portugues-em-2021