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Opinião

Ricardo Bandeira, Advogado AMMC LEGAL

“Simplex Urbanístico”: alguns traços do que aí vem

2 de fevereiro de 2024

Foi publicado o Decreto-Lei n.º 10/2024, de 8 de janeiro, que procede à reforma e simplificação dos licenciamentos no âmbito do urbanismo, ordenamento do território e indústria. O célebre “Simplex Urbanístico”.

Este põe fim à obrigatoriedade do bidé nas casas-de-banho, em alteração ao Regulamento Geral das Edificações Urbanos, cuja revogação se perspetiva para junho de 2026, sendo substituído pelo já anunciado Código da Construção. Mas, simultaneamente, o diploma vai muito além disso. O “Simplex Urbanístico” pretende introduzir uma verdadeira mudança de paradigma no planeamento e na gestão urbanística. Mudança essa cujos traços distintivos já são possíveis de discernir a partir das alterações que o mesmo introduz em 10 diplomas, dos quais se destacam a LBPPSOTU, o RJIGT, o RJUE e o RGEU.

Entre estes, e em matéria de RJUE, o alargamento do universo de operações que se bastam com uma comunicação prévia, ou que estão mesmo isentas de controlo prévio. Neste ponto, será de referir que as operações de loteamento estarão sujeitas alternativamente a licenciamento ou a comunicação prévia em função de estarem, ou não estarem, em zona abrangida, ou por Plano de Pormenor (“PP”) publicado após 07/03/93, ou por Unidade de Execução (“UE”).

Acresce a isto que, para a operação de loteamento poder ser sujeita a comunicação prévia, tanto o PP como a UE terão que ter um conteúdo específico. Assim, o PP terá que conter um desenho urbano que preveja a divisão em lotes, o número máximo de fogos e a implantação e a programação de obras de urbanização e edificação. A UE terá que prever o polígono de base para a implantação de edificações, a área de construção, a divisão em lotes, o número máximo de fogos e a implantação e programação de obras de urbanização e edificação. Caso contrário, a operação de loteamento estará sujeita a licenciamento.

Este alargamento do âmbito de aplicação da comunicação prévia – quando somado à introdução do deferimento tácito nos processos de licenciamento e à isenção do controlo prévio da operação urbanística no caso de informação prévia favorável ao abrigo do 14.º/2 do RJUE – reflete uma mudança do controlo da legalidade da fase de controlo prévio para a fase de fiscalização de obra. Contudo, é de estranhar que não tenham sido também agravadas as coimas das contraordenações urbanísticas.

Verifica-se ainda a eliminação da autorização de utilização (“AU”) nos procedimentos de controlo prévio. Com o fim da AU, verifica-se uma dificuldade acrescida para atestar da legalidade e da conformidade de uso no momento da celebração da compra-e-venda do imóvel. Tenta-se obviar esta dificuldade mediante uma obrigação de informação – a recair sobre conservador, notário, advogado ou solicitar – em como o imóvel pode não dispor dos títulos urbanísticos necessários para a utilização ou construção. Todavia, tal soa a pouco quando o que está em causa é a segurança de uma transmissão de propriedade.

De referir a obrigatoriedade de previsão nas operações de loteamento de áreas de cedência para a implantação de habitação pública, a custos controlados ou para arrendamento acessível. Áreas de cedência essas que, contrariamente às demais, não podem ser objeto de uma compensação por não cedência.

No curto prazo, esta alteração ao regime de cedências para o domínio municipal introduz a dúvida quanto ao exato critério aplicável para a fixação das concretas áreas de cedência para habitação pública. Dúvida a ser esclarecida aquando da alteração ou revisão dos respetivos PDM, com vista à introdução de parâmetros de dimensionamento das áreas de cedência para habitação pública.

Estima-se que os procedimentos de alteração e de revisão dos PDM em curso poderão ter aqui um desafio acrescido.

Ricardo Bandeira

Advogado

AMMC LEGAL

*Texto escrito com novo Acordo Ortográfico