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IRS sobre os rendimentos prediais: quais são os gastos dedutíveis?

11 de maio de 2022

A Reforma do IRS que entrou em vigor em 2015 procedeu ao alargamento dos gastos relevantes para efeitos de determinação do rendimento líquido da Categoria F (rendimentos prediais) do IRS, que, no passado, praticamente se circunscreviam, para além do IMI, às despesas de conservação e manutenção.

Conforme assumido pela Comissão mandatada para concretizar as propostas de alteração ao Código do IRS (cfr. Anteprojeto da Reforma do IRS, de julho de 2014), pretendeu-se obviar à “sobretributação a que as rendas estão sujeitas em IRS”, em resultado da “reduzida consideração fiscal dos gastos implicados por esta atividade económica”, ao qual “acrescem dificuldade de delimitação de tais gastos, nomeadamente quando relativos a despesas de conservação e manutenção”, sendo ainda reconhecido “o mérito de pôr fim às numerosas questões que hoje [i.e., antes de 2015] se colocam na identificação das despesas dedutíveis.”

Assim, atualmente, o Código do IRS admite a dedução de “todos os gastos efetivamente suportados e pagos pelo sujeito passivo” para obter tais rendimentos, com exceção dos “gastos de natureza financeira, dos relativos a depreciações e dos relativos a mobiliário, eletrodomésticos e artigos de conforto ou decoração, bem como do adicional ao imposto municipal sobre imóveis” (Cfr. n.º 1 do artigo 41º de fração do Código do IRS).

São ainda dedutíveis os encargos com o IMI e o Imposto do Selo, pagos em determinado ano, associados a imóvel cujo rendimento seja tributado nesse ano fiscal (Cfr. N.º 5 do artigo 41º do Código do IRS). Tratando-se de fração autónoma de prédio em regime de propriedade horizontal, são ainda dedutíveis os gastos do condomínio (Cfr. n.ºs 2 e 3 do artigo 41º do Código do IRS), o IMI e o Imposto do Selo

Por outro lado, podem ainda ser deduzidos os “gastos suportados e pagos nos 24 meses anteriores ao início do arrendamento relativos a obras de conservação e manutenção do prédio, desde que entretanto o imóvel não tenha sido utilizado para outro fim que não o arrendamento.” (Cfr. n.º. 7 do artigo 41º do Código do IRS).

À semelhança do que sucedia na redação anterior, mantém-se a necessidade de apresentação de documentos comprovativos das despesas que se pretende deduzir (cfr. n.º 8 do artigo 41º do Código do IRS).

Por último, prevê-se a possibilidade de os rendimentos negativos gerados na Categoria F poderem ser deduzidos aos rendimentos obtidos nos seis anos subsequentes, ficando, porém, o direito ao reporte de perdas sem efeito quando os prédios a que os gastos digam respeito não gerem rendimentos prediais em pelo menos 36 meses (seguidos ou interpolados) dos cinco anos subsequentes àquele em que os gastos foram incorridos (cfr. alínea b) do n.º 1 e n.º 8 do artigo 55º do Código do IRS).

A interpretação da AT

Não obstante a amplitude da redação legal no que respeita às despesas dedutíveis, continuam a subsistir dúvidas quanto aos encargos suportados pelos senhorios que devem ser fiscalmente relevantes.

Na verdade, esta é uma matéria sobre a qual a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”) tem vindo a proferir diversos entendimentos - Fichas Doutrinárias (“FD”) – , procurando densificar o texto legal, determinando quais os tipos de gastos que podem, efetivamente, ser dedutíveis, e em que termos, e aqueles que não o são.

De salientar que tais FD, publicadas no Portal das Finanças, vinculam a AT apenas em relação à situação concreta sobre a qual incidiram, não revestindo, pois, caráter geral. No entanto, indiciam, naturalmente, a posição da AT sobre este tema e como é previsível que esta venha a atuar no âmbito de ações inspetivas.

Despesas associadas à celebração do contrato de arrendamento

Desde logo, no que respeita aos gastos incorridos na contratação do arrendamento, a AT admite a dedutibilidade das comissões de intermediação e gestão imobiliária, desde que resulte inequivocamente demonstrada “a conexão do montante pago ao mediador imobiliário com as operações de arrendamento e gestão do imóvel gerador de rendimentos prediais e se encontre devidamente documentada a intervenção do respetivo mediador nos termos legais aplicáveis” (FD no âmbito do Processo n.º 615/2016) especificamente, no quadro do regime jurídico da atividade de mediação imobiliária.

Ainda no âmbito da contratação, AT admite a dedução das despesas suportadas com a emissão do certificado energético, “uma vez que as mesmas constituem uma despesa obrigatoriamente a suportar para efeitos da operação de arrendamento” (FD no âmbito do Processo n.º 1115/2017). Não obstante, veio a AT salvaguardar que, caso “o mesmo certificado energético” venha a ser usado numa futura venda, o encargo associado à sua emissão não poderá ser (novamente) deduzido para efeitos de cálculo da mais-valia tributável (FD no âmbito do Processo n.º 2000/2018).

No que respeita a despesas incorridas pelo senhorio com “a inspeção efetuada á instalação de gás do fogão e da caldeira a gás de aquecimento de águas”, as mesmas serão dedutíveis. Contudo, o mesmo não se passa com eventuais despesas associadas “à ligação de eletricidade e água, anteriormente à entrega do imóvel aos inquilinos”, estando afastada a sua dedução (FD no âmbito do Processo n.º 4074/2017).

Despesas associadas a obras

No que respeita a obras, segundo a AT, apenas serão elegíveis as obras que incidam sobre o prédio objeto do arrendamento, excluindo-se, por exemplo, as benfeitorias em “anexos ou garagens” que não constem da respetiva matriz predial, mesmo que esteja pendente a sua regularização (FD no âmbito do Processo n.º 4235/2017).

Por outro lado, quanto ao tipo de obras elegíveis, a AT veio esclarecer que as obras passíveis de serem consideradas como de “conservação” são aquelas “destinadas a manter uma edificação nas condições existentes à data da sua construção, reconstrução, ampliação ou alteração, designadamente as obras de restauro, reparação e limpeza”. Tais despesas deverão distinguir-se, assim, daqueloutras que contribuam “para valorizar” o imóvel e que, como tal, deverão ser consideradas para o cálculo da respetiva mais-valia, em caso de venda (FD no âmbito do Processo n.º 2057/2018). Aliás, esclarece a AT, no âmbito da mesma FD, que não poderão as “despesas de conservação” serem consideradas, “em simultâneo, para efeitos do disposto nos artigos 41º [i.e., para efeitos da Categoria F] e 51º [i.e., como “encargos de valorização”, para efeitos de apuramento da mais ou menos-valia apurada com a venda do imóvel] do Código do IRS.”

Ainda no que respeita a obras, a AT veio considerar que as faturas com a compra de materiais “que foram necessários para a execução de obras de conservação num imóvel que está arrendado” apenas serão fiscalmente elegíveis na medida em que resulte comprovado que tal despesa “foi efetivamente suportada pelo locador e ser mostre indissociável do imóvel que produz rendimentos prediais, mais concretamente, nas situações em que não existe mão-de-obra associada à despesa, mas tão somente a aquisição de um qualquer material necessário para a conservação do imóvel”. Segundo a AT, essa prova deverá ser feita através de: (i) fatura da qual conste a identificação do imóvel a que os materiais se destinam; e ainda com (ii) “ a confirmação do arrendatário da receção desses materiais e a sua incorporação no imóvel locado por recurso a trabalho do próprio sem intervenção de mão-de-obra de terceiros”. (FD no âmbito do Processo n.º 3930/2017).

A AT não esclarece, porém, como poderá ser dado cumprimento ao segundo dos requisitos quando a aquisição do material e a respetiva colocação ocorra em data anterior ao início do arrendamento. 

No que respeita ao tipo de reparações elegíveis, excluem-se, naturalmente, todas as que podem estar relacionadas com a reparação de eletrodomésticos ou de móveis (FD no âmbito do Processo n.º 1115/2017).

Outras despesas

No que respeita a despesas correntes, decorre diretamente da lei a dedutibilidade das despesas com o condomínio, com o IMI e com as despesas de conservação e manutenção.

Não obstante tem-se colocado a dúvida sobre o tratamento fiscal a conferir quando o imóvel a que respeitam tais encargos seja arrendado apenas durante parte do ano. Dever-se-á considerar tais encargos na sua totalidade? Ou apenas proporcionalmente ao tempo de duração do contrato de arrendamento? Ora, sobre esta matéria, a AT veio emitir duas FD sobre o tema (FD no âmbito do Processos n.º 1115/2017 e 1577/2017), da qual não resulta a imposição de um critério de proporcionalidade, limitando-se a estabelecer, como condição de dedutibilidade, que estes encargos “respeitem a prédio ou parte de prédio cujo rendimento seja objeto de tributação nesse ano fiscal.”, não exigindo – pelo menos de forma expressa – que o imóvel permaneça disponível para arrendamento, e não afeto à habitação do proprietário.

No que respeita ao seguro da habitação, a AT considera que o mesmo será dedutível desde que se trate de seguro obrigatório. Tratando-se de seguro multirrisco que ofereça “um conjunto de coberturas facultativas de danos do imóvel ou no seu recheio, podendo também incluir uma cobertura de responsabilidade civil”, deverá estar excluída a dedutibilidade das respetivas despesas por ser “manifestamente facultativo” (FD no âmbito do Processo n.º 1115/2017). Fica, no entanto, por esclarecer se, tratando-se de seguro obrigatório complementado por coberturas facultativas, se fica vedada a dedução dos respetivos prémios, ou se se deverá adotar qualquer outro critério (e qual?) para diferenciar a componente associada às coberturas obrigatórias da parte associada às coberturas facultativas.

Uma última referência à devolução da caução. Tendo a mesma sido sujeita a IRS e venha a ser devolvida no final do contrato, estabelece a AT que a mesma poderá ser incluída na declaração do IRS do senhorio como “gasto suportado e pago pelo locador/senhorio”. Para o efeito, deve o senhorio dispor de documento, assinado pelo inquilino, onde este “declara que recebeu o rendimento em causa.” (Processo n.º 731/2018).

Nota final

Se é certo que houve uma clara intenção, aquando da Reforma do IRS, de operar uma mudança do paradigma da tributação dos rendimentos prediais, traduzida no alargamento das deduções específicas consideradas para efeito de determinação do rendimento da Categoria F, a interpretação e aplicação da lei que tem vindo a ser feita pela AT nem sempre dá cumprimento a tal desiderato.

Na verdade, como resulta da resenha de FD sobre o tema, a AT tem vindo a adotar uma interpretação restritiva do tipo de encargos aceites, fazendo com que a referência a “todos os gastos efetivamente suportados e pagos pelo sujeito passivo”, caia, muitas vezes, em letra morta, quer ao apelar ao conceito de “despesas de conservação e manutenção” – nem sempre de fácil delimitação -, quer sujeitando a dedutibilidade das despesas ao crivo da respetiva “obrigatoriedade” (que, em rigor, não tem expressão legal), ou, ainda, vindo estabelecer exigências especiais quanto ao suporte documental das despesas, que podem levar a que qualquer proprietário, menos avisado, veja comprometida a dedução de um determinado encargo.

Mais uma vez, ressalta também aqui o tema da incerteza jurídica: em face de um texto legal, assumidamente vago, e uma AT empenhada em restringir o alcance da vontade do legislador, está aberto o campo para a dúvida e para a litigância jurídica.

Mónica Santos Costa 

Counsel da CMS Portugal

*Texto escrito com novo Acordo Ortográfico