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Entrevistas

Rui Torgal, CEO da ERA Portugal

Estamos muito longe de uma situação de alarme no mercado português

25 de agosto de 2023

Com as recentes notícias de queda de vendas e de preços das casas em alguns mercados europeus, os sinais de alarme soaram em Portugal mas Rui Torgal, CEO da ERA Portugal garante que não há motivo para preocupação.

Ao Diário Imobiliário, referiu que a falta de oferta de casas face à procura tem minimizado o impacto da inflação e o aumento das taxas de juro e acredita que, ao longo do próximo ano, com a estabilização da inflação e a consequente redução das taxas de juro, o mercado imobiliário poderá voltar aos registos positivos de um passado recente. 

A recente notícia de queda na venda de casas e a descida na Suécia pode ser um indicador para o resto da Europa? 

O mercado imobiliário sueco tem algumas particularidades que devem ser tidas em conta para evitarmos alarmismos desnecessários e comparações pouco fundamentadas com outras realidades europeias. Ressalvando, antes de mais, que não sou um especialista no mercado sueco e tendo por base as notícias que nos chegam, temos desde logo a destacar o contexto macroeconómico do país. A economia sueca tem tido algumas dificuldades de crescimento nos últimos anos, situação que não se verifica em outros mercados europeus. É também factual que se tem vindo a registar uma quebra acentuada no mercado imobiliário local desde o final do ano passado, que não tem sido revertida em 2023. Esta situação explica-se, em certa parte, pela elevadíssima inflação registada (9%) no país e a subida progressiva da Euribor, à qual estão indexados a maioria dos créditos à habitação das famílias suecas. Apesar de considerar importante que os decisores suecos tomem medidas para inverter esta contínua desaceleração do sector, já reflectida numa queda significativa dos preços, não vejo que esta situação possa ter, à luz dos factos actuais, implicações no resto da Europa.

Além da Suécia também em julho o preço da habitação no Reino Unido sofreu a maior queda desde 2009. O mesmo acontece com o mercado residencial de Paris. Como se comparam estes mercados ao português? 

Todos estes mercados têm problemas conjunturais comuns que afectam naturalmente também o sector do Imobiliário, tais como a elevada inflação ou a subida gradual das taxas de juro dos créditos à habitação, mas julgo que cada um tem particularidades muito próprias que tornam qualquer conclusão, baseada em comparações directas, pouco fidedignas. Pronunciando-me concretamente em relação à Suécia, a maior e mais significativa semelhança que encontramos, e grande responsável pelo eco dado ao tema nos meios de comunicação nacionais, é o facto da maioria dos créditos à habitação das famílias, tal como em Portugal, serem de taxa variável e estarem indexados à Euribor. Com a subida registada, sobretudo ao longo do último ano, lá como cá existem algumas pessoas com dificuldades em pagar os respectivos empréstimos. Mas, tirando esta questão, as diferenças levam clara vantagem. 

Senão vejamos: 

- No mercado português, ao contrário do sueco, regista-se de facto uma normal desaceleração, mas sem quebras acentuadas nos preços. Aliás, os dados da nossa operação referente ao 2º trimestre do ano já nos dão sinais claros de recuperação face ao trimestre anterior (bem diferente da contínua quebra verificada na Suécia) – venderam-se mais casas, cresceu a facturação total e o montante obtido com as transacções; 

- O volume de imóveis na posse dos bancos é reduzido e não se assiste a significativos sinais de incumprimento. Em Abril passado, na nossa convenção anual, convidámos os responsáveis máximos pelas principais instituições bancárias a operar em Portugal e todos concordaram, a propósito de uma potencial crise gerada pela falência do Silicon Valley Bank, que “não existe stress suficiente nas carteiras de clientes de créditos à habitação para antecipar catástrofes”; - A economia sueca vive um momento diferente da economia portuguesa estando a inflação nos 9% (em Portugal está nos 3%) e tendo a moeda local – que está fora da zona euro - desvalorizado 15% face ao euro; 

- Por fim, e ao contrário de nós, a Suécia tem apostado bastante na estimulação da oferta, na nova construção, ao longo dos últimos anos. Já em Portugal, a procura supera em larga escala o número de casas disponíveis no mercado; Tudo isto para dizer que tenho muitas dúvidas no que toca a contágios sistémicos no imobiliário. O contágio tende a acontecer quando há crises financeiras e não económicas. 

Sabemos que o facto de termos mais procura do que oferta explica muito da dinâmica do nosso mercado, mas a subida das taxas de juro e a inflação não tem afectado as vendas? 

Sim, tal como referi anteriormente, o grande desequilíbrio entre a procura e a oferta coloca-nos quase num regime de excepção face a outros mercados da Europa, mas isto não quer dizer que não estejamos sujeitos aos constrangimentos próprios impostos pela conjuntura económica. A subida das taxas de juro e a elevada inflação trouxeram incerteza ao mercado desde, sobretudo, o início deste ano e esse quadro afectou não só o nosso negócio como todo o sector. Contudo, estes não foram os únicos problemas a afectar o imobiliário por cá. O anúncio do programa Mais Habitação, o aumento do custo das matérias-primas, a falta de mão-de-obra, a guerra na Ucrânia e a tal oferta limitada serviram de entrave ao normal crescimento do sector ao longo dos primeiros seis meses do ano quando comparados a 2022. Apesar de tudo, é de salientar que os nossos dados referentes ao 2º trimestre deste ano trazem sinais de confiança. Face ao 1º trimestre, a ERA vendeu mais casas, registou um maior volume de negócios e aumentou da facturação total.  

Até quando vamos manter este contraciclo face ao mercado europeu? 

É logicamente impossível adivinhar o futuro, mas estou convicto que estamos muito longe de uma situação de alarme no mercado português. Mais uma vez reforço que a escassez de oferta face à procura é um problema estrutural que não se consegue resolver no curto prazo. Considero também que, ao longo do próximo ano, com a estabilização da inflação e a consequente redução das taxas de juro, o mercado imobiliário poderá voltar aos registos positivos de um passado recente. E é exactamente por isso que é tão importante durante esta fase menos fulgurante definir medidas eficazes e realistas que sejam capazes de garantir mais e melhor habitação para todos os que vivem no nosso país.