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Opinião

João Sousa, CEO JPS Group

A construção ainda sofre com o impacto da pandemia e da guerra?

30 de agosto de 2023

A construção ainda sofre com o impacto da pandemia e da guerra?

Parte II: A falta de mão de obra qualificada

Num contexto em que a carência habitacional persiste como um desafio estrutural nacional, a escassez de mão de obra qualificada no setor da construção em Portugal constitui um dos principais obstáculos à atividade. Segundo informação recolhida pela AICCOPN, no início deste ano, 82% das empresas no segmento das obras privadas apontam a falta de mão de obra especializada.

Nos últimos anos, o número de trabalhadores diminuiu consideravelmente durante a crise financeira, que afetou o país entre 2008 e 2014, devido à falta de investimento e inovação. Isso provocou a saída de muitos profissionais qualificados da construção para o exterior, onde pagam mais e têm melhores condições, ou para outros setores menos afetados pela crise. O setor começou a recuperar gradualmente a partir de 2015, mas só desde 2017 é que mantém os níveis de emprego mais ao menos estáveis. Com o surgimento da pandemia em 2020, houve uma diminuição da mão de obra, cujos dados do INE revelam uma redução de 7.500 trabalhadores em comparação com o ano de 2019.

No entanto, em 2022, a mão de obra voltou a registar um crescimento expressivo de 6,3%. Representa um acréscimo de 1,2% em comparação a 2021, com 26 mil novos trabalhadores, mas este crescimento não chega para satisfazer as necessidades atuais do setor. Grande parte destes novos trabalhadores não se insere no grupo de operários qualificados. Este aumento é consequência da reconversão de profissionais oriundos de outros setores de atividade afetados pela pandemia e do uso de mão de obra estrangeira. A carência de mão de obra persiste até à data e o presidente da AICCOPN, Manuel Reis Campos, estima um défice de 80 mil trabalhadores, insuficiente para responder ao volume de obras públicas e privadas previstas para os próximos anos. Albano Ribeiro, presidente do Sindicato da Construção de Portugal, também apontou a falta de centros de formação no país, que já existiram e que são necessários para qualificar pessoas para o setor da construção.

Portugal, à semelhança de diversos outros países, enfrenta o envelhecimento da força de trabalho e faltam jovens qualificados, é necessário atrair talento jovem, tanto homens como mulheres, para substituir os que se reformam. No que diz respeito ao género do setor da construção, tipicamente dominado por uma maioria masculina, de acordo com dados do INE, a presença de mulheres é ainda residual, representando apenas 7,2% da força de trabalho. Contudo, em 2020, registou-se um aumento de 1.700 mulheres em comparação a 2019, um indicador da crescente atração do sexo feminino por este setor. A maioria desempenha funções em áreas como direção de obra, higiene e segurança no trabalho, bem como fiscalização. Há um imperativo evidente relativamente ao futuro: a necessidade de atrair mais mulheres para a indústria da construção, tornando-a mais inclusiva e dinâmica.

O Instituto Nacional de Estatística (INE), utiliza um índice para calcular os custos de construção de habitação nova, com duas variáveis: o preço dos materiais e o custo da mão de obra. Tal como o aumento dos custos dos materiais, também se verificou ao longo de 2021 e 2022 o agravamento do custo da mão de obra no setor da construção. A atualização do valor do salário mínimo, no início de 2023, também contribuiu para o aumento deste custo de 12,3% em janeiro, 9,0% em fevereiro e 8,5% em março. Apesar do aumento do custo da mão de obra, os salários no setor da construção não acompanham o aumento do custo de vida atual em Portugal, fazendo com que os profissionais saiam do nosso país em busca de melhores salários e condições.

A consultora Hays identificou que, entre os perfis mais procurados, estão o Diretor de Obra e o Encarregado Geral. Mas, também, há dificuldade em contratar outros tipos de perfis, tais como: engenheiros civis, técnicos de construção, pedreiros, carpinteiros, eletricistas, canalizadores, medidor orçamentista, encarregados, entre outros. O grande desafio para as empresas consiste em recrutar profissionais qualificados, experientes e capazes de gerir projetos de construção de grande escala.

As empresas do setor da construção necessitam de medidas efetivas do governo, para minimizar as dificuldades causadas pela falta de profissionais qualificados e estabilizar o mercado de trabalho, como, por exemplo, uma aceleração dos procedimentos para obtenção de vistos para trabalhar em Portugal e, também, reconhecimento das equivalências académicas. É necessário tornar o setor mais atrativo para os jovens, não só em termos de remuneração, mas também em relação às perspetivas de carreira, para valorizarem a escolha dessa profissão. Investir na formação e qualificação dos trabalhadores, nos programas de estágio e aprendizagem que proporcionem experiência prática. Programas de financiamento para empresas do setor que contratem e deem formação a jovens. Promover e financiar a adoção de tecnologias inovadoras pelas empresas do setor, através da integração de novos métodos de construção modernos e sustentáveis. Promover a diversidade e inclusão no setor, entre outros. Esta visão holística e abrangente é essencial para o setor atrair e reter jovens profissionais, garantir um crescimento sustentável e robusto da indústria, que possa dar resposta às necessidades habitacionais prementes e impulsionar a indústria e a economia nacional.

João Sousa

CEO da JPS GROUP

*Texto escrito com novo Acordo Ortográfico


Artigo de Opinião em três partes:

Parte I: A interrupção nas cadeias de abastecimento e a escassez de materiais de construção

Parte II: A falta de mão de obra qualificada

Parte III: O aumento dos preços das matérias-primas, energia e materiais de construção