
Bruno de Carvalho Matos, Engenheiro Civil
O papel do Direito na Gestão de Projetos de Construção
A vida em sociedade exige regras que garantam equilíbrio, justiça e previsibilidade nas relações humanas. É esse o propósito do Direito: um conjunto de normas, princípios e instituições que orientam comportamentos e distribuem direitos e deveres. Através de mecanismos como providências cautelares, ações indemnizatórias ou execuções de sentenças, assegura-se que conflitos possam ser tratados e resolvidos de forma estruturada.
No setor da Construção, este enquadramento jurídico é decisivo. É ele que estabelece quem intervém num projeto, em que momento e com que responsabilidades, envolvendo donos da obra, projetistas, empreiteiros, fornecedores ou entidades reguladoras. Inclui matérias tão diversas como a contratação de obras públicas e privadas, o licenciamento, os regulamentos técnicos e a responsabilização civil, administrativa e penal ao longo da cadeia de valor.
A Construção destaca-se de outros setores pela sua forte dependência de normas e procedimentos legais, bem como pela complexidade inerente à multiplicidade de intervenientes e fases de projeto. Por isso, o Direito assume aqui um papel ainda mais relevante, garantindo que obrigações, prazos e condições são claros e exequíveis.
Em Portugal, este quadro assenta em diversos diplomas, entre os quais o Código dos Contratos Públicos, o Código Civil, o Regime Jurídico da Urbanização e Edificação e o Regulamento Geral das Edificações Urbanas. A estes acrescem normas técnicas sobre segurança sísmica e contra incêndios, reabilitação, acessibilidades e eficiência energética, fundamentais para assegurar a qualidade e segurança das obras.
Apesar deste enquadramento, vários fatores contribuem para o surgimento de litígios: a diversidade de qualificações dos intervenientes, prazos e orçamentos demasiado apertados, alterações de projeto em plena execução, falhas logísticas ou atrasos de fornecimento, escassez de mão-de-obra, evolução constante da legislação e insuficiências nos procedimentos de controlo. Ambiguidades contratuais e erros formais - particularmente frequentes na contratação pública - podem ainda originar impugnações, multas, nulidades ou a caducidade de contratos.
Quando os conflitos não são eficazmente geridos, as consequências repercutem-se por toda a linha: atrasos e paralisações aumentam custos diretos e indiretos; surgem não conformidades e riscos funcionais; podem ocorrer exclusões de mercados e elevação dos prémios de seguro; e a confiança de investidores e financiadores deteriora-se rapidamente. Acrescem ainda danos reputacionais e desgaste emocional que afetam equipas e organizações.
Os litígios podem ser resolvidos por via judicial ou através de mecanismos extrajudiciais - negociação, mediação, conciliação, arbitragem ou avaliação neutral. Estas vias alternativas revelam-se, muitas vezes, mais céleres, menos dispendiosas e mais adequadas à manutenção das relações profissionais. Contudo, a sua eficácia depende de serem acionadas cedo, com diagnóstico objetivo do problema, comunicação clara e disponibilidade das partes para cooperar.
Por estas razões, torna-se essencial que o setor da Construção adote uma estratégia estruturada de prevenção e gestão de conflitos. A ausência desta estratégia pode levar a processos judiciais longos, com impactos económicos e sociais significativos, especialmente para promotores e investidores.
A prevenção deve ser trabalhada em vários níveis.
Nos projetos, exige contratos claros, definição rigorosa de responsabilidades e interfaces, procedimentos para alterações e revisões, mecanismos de aprovação e controlo, e recurso a ferramentas digitais que assegurem transparência e rapidez na troca de informação. Nas organizações, requer cultura de diálogo, registo documental rigoroso, políticas de gestão de risco, sistemas de incentivos e penalizações, adoção de modelos contratuais robustos e formação contínua em comunicação e resolução de conflitos.
No plano nacional, é necessária uma revisão legislativa que envolva a indústria, bem como a simplificação dos processos administrativos e judiciais associados à construção. Medidas como incentivos à mediação e arbitragem, criação de tribunais especializados, disseminação de boas práticas e desenvolvimento de bases de dados que permitam analisar causas e custos dos litígios podem melhorar a eficiência e a transparência do setor.
Embora inevitáveis em ambientes complexos, os conflitos não têm de comprometer o andamento de um projeto. A sua gestão adequada pode até estimular melhoria contínua e inovação. Porém, quando se tornam disfuncionais, os seus impactos podem ser severos. Por isso, integrar o Direito como ferramenta preventiva - presente desde o início e não apenas quando surgem problemas - é essencial para que se construam projetos mais sólidos, relações mais estáveis e um setor mais sustentável.
Bruno de Carvalho Matos
Engenheiro Civil
*Texto escrito com novo Acordo Ortográfico












