
Bruno de Carvalho Matos, Engenheiro Civil
Liderança, motivação e cultura: o papel do Comportamento Organizacional na Construção
A indústria da construção é, por natureza, um setor complexo. A diversidade de intervenientes, os prazos apertados, a necessidade de controlar custos e as exigentes condições de trabalho fazem com que a gestão de pessoas seja um dos maiores desafios. É neste cenário que se torna fundamental olhar para além das técnicas de engenharia e dos modelos de gestão tradicionais, reconhecendo o papel central do Comportamento Organizacional (CO) como chave para a eficiência, a motivação e a sustentabilidade do setor.
O CO, enquanto área da gestão, procura compreender como os indivíduos e os grupos pensam, sentem e atuam no seio das organizações e de que forma essas dinâmicas impactam os resultados coletivos. No seu início, esteve fortemente associado à produtividade individual, mas evoluiu ao longo do século XX para integrar contributos da psicologia, sociologia, economia, ética e ciência política. Hoje, analisa aspetos tão diversos como a motivação, a liderança, o poder, a cultura e o funcionamento de grupos - dimensões indispensáveis para compreender a realidade organizacional da construção.
Neste setor, os desafios são claros. A fragmentação da cadeia de valor, muitas vezes agravada por relações contratuais adversariais, e a forte interdependência entre donos de obra, projetistas, empreiteiros, subempreiteiros e reguladores dificultam a comunicação e o alinhamento de objetivos. A escassez de mão-de-obra qualificada, agravada pela rotatividade e pelo envelhecimento da força de trabalho, fragiliza vínculos, reduz a motivação e dificulta a partilha de conhecimento. A pressão constante por prazos e custos cria contextos de stress elevado que afetam tanto o bem-estar dos profissionais como a qualidade da tomada de decisão. A estas condições somam-se as exigências do trabalho em obra - ruído, intempéries, longos turnos e deslocações - que reduzem a atratividade do setor e aumentam a dificuldade em reter talento.
Perante este quadro, a integração do CO na gestão da construção é vital. Ao nível individual, importa investir na motivação, no bem-estar físico e emocional e no desenvolvimento de competências que reforcem a resiliência e diminuam o absentismo. Nas equipas, comunicação clara, confiança mútua e planeamento colaborativo são fundamentais para ultrapassar a fragmentação e a rotatividade, assegurando maior estabilidade e coesão. A liderança distribuída e o empoderamento dos trabalhadores aumentam a autonomia e a capacidade de resposta a imprevistos.
No plano organizacional, a adoção de estilos de liderança participativos e a criação de culturas assentes na aprendizagem contínua e na segurança contribuem para decisões mais eficazes e ambientes de trabalho mais saudáveis.
Contudo, a aplicação efetiva destes princípios enfrenta resistências. A natureza temporária dos projetos, a constante mudança de equipas e a multiplicidade de entidades envolvidas dificultam a consolidação de uma cultura organizacional partilhada. A prevalência de modelos de gestão orientados sobretudo para métricas técnicas e financeiras relega a dimensão humana para segundo plano. A falta de formação em CO por parte de dirigentes e chefias intermédias limita a aplicação estruturada destes princípios. A fragmentação contratual e a lógica adversarial reforçam a resistência a práticas colaborativas.
Para superar estas barreiras, são necessárias medidas articuladas a diferentes níveis. Nas organizações, a formação em liderança empática, gestão do stress e comunicação eficaz tem fortalecido a confiança e melhorado o clima organizacional. O Last Planner System, metodologia Lean baseada em planeamento colaborativo e compromissos realistas, tem contribuído para reduzir atrasos e conflitos. A aposta em segurança psicológica permite que os trabalhadores partilhem preocupações e ideias, promovendo motivação e inovação. Estruturas horizontais, com canais de comunicação abertos e práticas de gestão ativa de conflitos, reforçam a estabilidade e aumentam a agilidade das decisões.
Na gestão de pessoas, medidas como avaliações contínuas, planos de desenvolvimento individual e incentivos alinhados com os objetivos da obra têm aumentado o compromisso e a retenção de talentos. A constituição de equipas multifuncionais e a mobilidade interna também se revelam eficazes para fomentar cooperação e dinamizar competências.
A tecnologia surge como outro aliado decisivo. O uso de BIM e de princípios da Lean Construction tem reforçado a transparência, a colaboração e a antecipação de problemas, facilitando a tomada de decisão em tempo real. A integração entre BIM e Lean tem favorecido ambientes de Integrated Project Delivery (IPD) - modelos contratuais colaborativos em que riscos e benefícios são partilhados desde o início do projeto. Simultaneamente, tecnologias emergentes, como sensores IoT aplicados à segurança ou plataformas de inteligência artificial para planeamento, estão a transformar a forma como o CO se manifesta na prática diária.
O setor público tem também um papel de relevo, através da introdução de critérios sociais e ambientais em concursos públicos e da promoção de políticas que incentivem práticas mais humanas e sustentáveis, em paralelo com as exigências técnicas e financeiras.
Em última análise, os desafios da construção não podem ser resolvidos apenas com engenharia ou gestão de prazos e custos. O Comportamento Organizacional é hoje um elemento estruturante: melhora a motivação e a comunicação, promove ambientes mais seguros e colaborativos e contribui para a eficiência e a qualidade dos projetos. Mais do que responder às exigências do presente, a integração do CO oferece ao setor uma verdadeira vantagem competitiva, capaz de transformar as organizações e preparar a construção para um futuro mais humano, inovador e sustentável.
Bruno de Carvalho Matos
Engenheiro Civil
*Texto escrito com novo Acordo Ortográfico