
Francisco Mota Ferreira
As contradições do Imobiliário em Portugal
Se há coisa que estamos fartos de ouvir em Portugal é que o nosso mercado, no que ao Imobiliário diz respeito, é amplamente resiliente e com um enorme dinamismo. Por outro lado, também ouvimos, de forma recorrente, que os preços elevados das casas e das rendas estão a limitar o acesso dos Portugueses à habitação.
Como é que se gere um sector que tem, cada vez mais, enormes contrastes? A coisa não é fácil porque, se por um lado, assistimos a uma resiliência e dinamismo notáveis nas vendas, com um volume de transações que desafia as incertezas económicas, por outro, a questão da acessibilidade à habitação atinge níveis críticos, transformando o sonho da casa própria num privilégio para muitos e num pesadelo para uma enorme maioria.
Os dados do primeiro trimestre de 2025 são um exemplo claro desta dualidade que se vive. Portugal registou mais de 40 mil transações de compra e venda de casas. E, muito embora este valor represente uma ligeira descida face ao pico do trimestre anterior, sublinha a robustez do mercado, numa recuperação pós-pandemia que continua a surpreender. Em Portugal, a procura sustentada, impulsionada por investidores nacionais e estrangeiros, tem sido o motor que mantém os preços em patamares elevados. Acresce ainda que a atratividade do País em fatores tão diversos como o clima, a segurança ou o regime fiscal, continuam a fazer do nosso País um destino apetecível.
No entanto, a vitalidade deste mercado tem um reverso preocupante: a escalada contínua dos preços. O custo médio para comprar casa em Portugal já se aproxima dos 400 mil euros, um valor que coloca a habitação fora do alcance de uma fatia considerável da população. E, pesem embora as previsões apontarem para uma estabilização dos preços em 2025, esta irá ocorrer em níveis historicamente altos, o que vai continuar a impedir o acesso à compra de uma habitação a inúmeras famílias.
Se na compra de imóveis estamos como estamos, a situação no mercado de arrendamento é igualmente desafiadora. As rendas continuam a subir, com um aumento médio de 35% em 2024 face a 2023, atingindo uma média de 1.500 euros. (e vamos ver como fecha 2025…). Esta subida cria uma pressão insustentável para quem não consegue comprar e vê-se obrigado a arrendar um imóvel, num esforço financeiro que absorve uma parte desproporcionada do orçamento familiar e limita o poder de poupança.
Este é o paradoxo que levanta questões cruciais sobre a sustentabilidade do modelo atual. Como pode um mercado ser tão dinâmico em termos de transações e valorização, mas, ao mesmo tempo, excluir uma parte crescente dos seus próprios cidadãos? As políticas públicas têm tentado intervir, mas o impacto tem sido limitado face à dimensão do problema.
A resiliência do mercado de venda, embora positiva - no limite, para a economia e para os proprietários - acentua a crise de acessibilidade que temos vivido em Portugal. A contínua valorização dos imóveis, impulsionada pela procura e pelo investimento, choca de frente com os salários e rendimentos que não acompanham esta ascensão. O desafio para o futuro, deste governo, mas também dos próximos – porque isto não se irá resolver em meia dúzia de anos – será fazer um pacto de regime e encontrar um equilíbrio que permita a vitalidade do setor imobiliário sem comprometer o direito fundamental à habitação acessível para todos.
Francisco Mota Ferreira
francisco.mota.ferreira@gmail.com
Coluna semanal à segunda-feira. Autor dos livros “O Mundo Imobiliário” (2021), “Sobreviver no Imobiliário” (2022), “Crónicas do Universo Imobiliário” (2023) e “Conversas sobre o Imobiliário” (2024) | Editora Caleidoscópio.
*Texto escrito com novo Acordo Ortográfico