
Francisca Martins, Administradora do Grupo AM48 - Foto Carlos Porfirio
A obsessão pelo metro quadrado está a matar o valor real do imobiliário
O mercado imobiliário habituou-se a uma métrica única de valorização e que, hoje, é quase sagrada: o metro quadrado. É este dado que dita preços, estimativas, relatórios, notícias e até sonhos. O problema é que essa obsessão por quantificar o imóvel apenas pela sua área útil transformou a habitação num produto uniformizado, desprovido de contexto, de intenção e de identidade.
Mas a verdade é que o valor de um imóvel não se esgota na sua metragem. Muito menos no seu preço por metro quadrado. Um apartamento de 120 m² numa zona deserta, mal servida de transportes, sem comércio local, ou construído sem atenção à orientação solar ou aos materiais utilizados, pode ser menos habitável — e menos desejável — do que um T2 bem desenhado num bairro com vida, árvores, vizinhança e ligação à cidade. É certo que algumas destas características são tidas em conta, mas também é certo que são analisadas de forma puramente matemática.
O valor real do imobiliário vive noutras camadas — invisíveis às folhas de cálculo, mas profundamente sentidas por quem habita os lugares. Localização não é apenas georreferenciação: é pertença, é relação com a envolvente, é acesso e pertença à cidade real. Envolvência não é ruído de fundo: é o que transforma um edifício numa casa e uma rua num bairro. A presença de comércio de proximidade, escolas, zonas verdes, transportes eficientes e vida comunitária é mais determinante para a qualidade de vida do que a diferença de cinco metros quadrados na planta. Sabemos que precisamos de mais construção para resolver os desafios que hoje enfrentamos na habitação, mas temos ainda a certeza de que essa mesma construção precisa de ter em conta todas estas variáveis referidas. Ter mais habitação não é apenas ter mais imóveis, mas sim ter mais casas com toda a envolvência que lhes dá vida.
É urgente, por isso, recentrar o debate. A lógica puramente quantitativa da área útil ou bruta cria produtos indiferenciados, pensados apenas para o curto prazo e para maximizar rentabilidades imediatas. Mas o imobiliário, por natureza, é um setor de longo prazo. Cada edifício que hoje se projeta moldará a cidade nas próximas décadas. Ignorar o seu contexto urbano, a sua inserção paisagística, a sua capacidade de gerar valor coletivo é um erro de perspetiva e uma perda de oportunidade.
Projetar com intenção e com respeito pela topografia, pela vizinhança, pela mobilidade suave e pela arquitetura responsável é o que distingue quem constrói casas de quem constrói apenas edifícios. Esta realidade não se mede em metros quadrados, mas no tempo que as pessoas escolhem ficar, no orgulho com que falam do seu bairro, na valorização sustentável do imóvel não por especulação, mas por qualidade de vida.
Claro que o preço por metro quadrado continuará a ser uma referência. Mas não deve ser o único critério. É tempo de educar o mercado — investidores, compradores e até decisores públicos — para valorizar aquilo que realmente transforma a habitação em lugar: a integração urbana, a durabilidade construtiva, a beleza formal e a função social. Porque no fim, quem compra uma casa, não está apenas a comprar área. Está a escolher onde vai viver a sua vida.
Francisca Martins
Administradora do Grupo AM48
*Texto escrito com novo Acordo Ortográfico