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Opinião

Bruno de Carvalho Matos, Eng Civil (MRICS | PMP | MBA | MSc)

(re)Ascensão da Madeira na Construção: mais sustentabilidade e produtividade

5 de fevereiro de 2024

Desde a pré-história até meados do séc. XVIII, os materiais de construção prevalentes eram aqueles diretamente oferecidos pela natureza, como terra, pedra, madeira e fibras vegetais. Foi com o avanço tecnológico subjacente às revoluções industriais que se assistiu à produção e utilização crescente de outros materiais como o cimento, aço, alumínio, tijolo e, principalmente a partir do final do século XIX, o betão armado (betão com aço).

Esta evolução, ao proporcionar materiais com propriedades melhoradas, juntamente com o progresso do conhecimento na área da engenharia (conceção e produção), possibilitou a construção de estruturas mais altas e com maiores vãos, assim como o aumento do grau de conforto das habitações, em termos de temperatura, humidade, acústica e iluminação.

Contudo, estes (novos) materiais processados, destacando-se o betão e o aço, representam um desafio no domínio da sustentabilidade ambiental. Com referência ao ciclo de vida, só para compensar a pegada de carbono relativa à extração de matérias-primas e à produção destes materiais para uma nova construção, através de uma maior eficiência energética na fase de utilização (depois de concluída a construção), poderão ser necessários até 30 anos. Por exemplo, só por cada kilo de cimento (constituinte do betão) produzido, pode ser emitido quase 1 kg de CO2, o que equivale a dizer que 100% da produção de cimento é poluente.

Ora, face às metas de neutralidade carbónica para 2050 e à crescente regulamentação dirigida ao desempenho energético dos edifícios, os quais contribuem para cerca de 40% das emissões de gases com efeito de estufa a nível mundial, surge a necessidade de encontrar alternativas.

Neste sentido, (re)surge a madeira enquanto material opcional.

A madeira remonta à antiguidade, tendo perdido importância enquanto material estrutural com a ascensão do betão armado desde a segunda revolução industrial, mas que agora começa a ganhar novo fulgor, não só por razões ambientais, mas também por motivos de produtividade.

Primeiramente, é um recurso natural renovável, reutilizável e reciclável, capaz de absorver uma grande quantidade de dióxido de carbono e de proporcionar um elevado isolamento térmico, podendo assim ter um impacte ambiental muito positivo ao longo do ciclo de vida das construções. Requer também menos energia na sua preparação, transporte e aplicação em obra (e.g. versus betão armado).

Em segundo lugar, a evolução tecnológica tem propiciado a criação de derivados da madeira (do inglês, “mass timber”) mais aptos (homogénos, leves e resistentes) para a aplicação em estruturas de edifícios, de que são exemplos as tábuas de madeira laminada colada ou laminada cruzada (do inglês “glue-laminated timber (Glulam)” ou “cross laminated timber (CLT)”, respetivamente).

Com isto, dada a sua leveza e versatilidade, é favorecida também a industrialização da construção através da pré-fabricação, por exemplo, de vigas e pilares (com Glulam) ou de lajes e paredes (com CLT), que são depois transportadas e montadas in situ. No limite, aludindo ao conceito de construção offsite (pré-fabricação mais pré-montagem), que abrange a chamada construção modular, é possível ter estruturas inteiras em madeira previamente construídas, para posterior colocação no local de implantação, com capacidade para futura expansão, redução ou relocalização.

Ou seja, além dos benefícios ambientais, existem potenciais ganhos de produtividade para uma indústria que continua a ser uma das mais ineficientes do mundo, com muitas operações manuais morosas, propícias a erros e demasiado intensivas em pessoal para o seu planeamento, gestão e execução no local da obra, algo que se agrava face à crescente escassez de mão-de-obra qualificada.

Exemplos práticos de estruturas construídas, em grande parte, com madeira (derivados), são os edíficios mais altos do mundo neste domínio, nomeadamente as torres “Ascent” (86.6m, nos EUA), “Mjosa” (85.4m, na Noruega) e “Sara Kulturhus Centre” (75m, na Suécia). Prevê-se ainda, nos próximos anos, a construção do maior empreendimento imobiliário do mundo em madeira, designado por “Stockholm Wood City” (mais de 250 mil m2, na Suécia).

Atualmente, entre os principais desafios na utilização da madeira destacam-se os relativamente elevados custos iniciais, devido à falta de economias de escala; a maior vulnerabilidade ao fogo, humidade e agentes xilógafos (e.g. fungos e bactérias), que podem requer tratamentos específicos e manutenção ao longo do tempo; e a necessidade de profissionais especializados para o dimensionamento (e.g. utilizando regulamentos como o Eurocódigo 5) e execução de estruturas com este material. A produção e extração da madeira é também um fator a considerar, balançando a oferta e a procura, sem comprometer a sustentabilidade ambiental (e.g. assegurar a conservação florestal e a reflorestação).

As medidas para o sucesso da implementação de novos de materiais na construção passam por relevar a energia contida nos materiais, adotando mecanismos para a sua quantificação e controlo, de modo a promover a sustentabilidade ambiental. Embora iniciativas como a diretiva europeia para o “Desempenho Energético dos Edifícios” crie algumas condições neste sentido, o seu sucesso depende sobretudo da proatividade do governo de cada país em definir legislação coerente e suficientemente exigente.

Adicionalmente, deve ser estabelecido um regime fiscal mais adequado, que beneficie a aplicação de materiais e tecnologias de construção mais ecológicos, e ser promovida uma maior consciencialização e sensibilização ambiental das pessoas e empresas, através de mais campanhas e políticas de proximidade. A tendência crescente de certificações ambientais para edifícios como o BREEAM, LEED e WELL, que requerem um maior cuidado na seleção dos materiais, é um aspeto coadjuvante, mas que deve ser mais disseminado além do segmento de escritórios.

Por último, tanto no domínio público como no privado, a adoção de análises de decisão multicritério abrangendo o ciclo de vida dos ativos construídos, ao invés do imediatismo do critério do preço mais baixo, é um fator crucial. Além da valorização associada à poupança energética na fase de utilização do ativo, os ganhos de produtividade durante a construção, com a maior facilidade de transporte e execução, também podem aumentar o retorno do investimento para os promotores. Neste contexto, a digitalização, por meio de metodologias como o Building Information Modelling (BIM), que facilitam os processos de pré-fabricação com maior eficiência e precisão, é também um aspeto a ponderar.

O caminho para um futuro mais verde e industrializado está na ordem do dia, constituindo a madeira um material nobre que pode significativamente ajudar a responder aos crescentes desafios da construção e da sociedade nestes domínios.

A questão que se coloca é: estarão as partes interessadas da construção e do imobiliário recetivas e preparadas para desempenhar o seu papel nesta mudança, privilegiando estratégias de longo prazo em detrimento de interesses de curto prazo?

Bruno de Carvalho Matos

Eng Civil (MRICS | PMP | MBA | MSc)

*Texto escrito com novo Acordo Ortográfico