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Opinião

Francisco Mota Ferreira

Venham mais cinco

1 de abril de 2024

A notícia foi publicada, ainda que de alguma forma, discreta, na última edição do semanário Expresso e dava conta que há cada vez mais famílias portuguesas a viverem em casas sobrelotadas. Famílias inteiras, num movimento de alguma forma inverso que leva a que, casais adultos, muitas vezes com filhos, regressem a casa de seus pais porque deixaram de ter condições de viver na casa que habitavam ou porque não conseguem arranjar uma casa que possa suprir as suas eventuais necessidades.

O jornal cita o Instituto Nacional de Estatística para chegar às seguintes conclusões: uma em cada cinco famílias portuguesas vive numa casa sem divisões suficientes; mais de 12% da população vive em casas sobrelotadas, dos quais 21% são jovens; 14% tem idade adulta e 21% das pessoas que vivem em casas sobrelotadas têm filhos. E, ao contrário do que se possa pensar, não são os estrangeiros que estão a contribuir para esta realidade…

As causas para este fenómeno são simples de identificar: baixos salários, inflação alta, subida das rendas e ao aumento das taxas de juro foram, digamos assim, o top 4 desta conjugação negativa que tem vindo a alterar, definitivamente, a forma como se vive em Portugal, nomeadamente nas grandes cidades, com Lisboa e Porto à cabeça.

Este estudo não o refere, mas há também um número indiscriminado e impossível de quantificar de cidadãos estrangeiros que vivem em condições sub-humanas nalguns apartamentos. As redes sociais estão cheias de vídeos, filmados mais ou menos à socapa, onde vemos mais de dez pessoas a viverem literalmente empilhados num quarto, onde comem e dormem e onde todos acabam por contribuir para o pagamento de uma renda, que é dividida por 10, 15 ou 20 pessoas, ficando-se só a saber que algo não está bem quando se noticia uma qualquer desgraça, como a que vimos, recentemente, em Lisboa.

Há muito que está feito o diagnóstico do que é preciso mudar, urgentemente, o paradigma da Habitação em Portugal. Elenco aqui as que, para mim, são as mais urgentes e óbvias: é preciso encontrar casas mais acessíveis, privilegiar a reabilitação urbana em detrimento da construção nova, dotar as pessoas de melhores salários, racionalizar o preço das casas e das rendas, capacitar o Estado, as Autarquias e os privados de meios para que este tema possa ser visto como uma prioridade para os primeiros, mas igualmente como uma oportunidade para os últimos.

Portugal não conseguirá aguentar muitos mais anos nesta situação em que quem pode fazer algo se divide entre as medidas vazias e/ou polémicas ou entre as decisões que afetam poucos num tema que diz respeito a muitos.

Neste novo Governo, que toma posse amanhã, constatamos que a Habitação ficou ligada com as Infraestruturas. Oxalá que isto seja um sinal de que o próximo Executivo está a pensar neste tema de forma global: não apenas criando condições para que a Habitação nas grandes cidades não seja o problema que hoje temos, mas que, já agora, seja uma solução integrada ao nível das infraestruturas. Por exemplo, numa boa rede de transportes, que permita que as famílias possam encontrar casas a preços mais acessíveis, fora do vórtice das grandes cidades, podendo deslocar-se para o seu interior para trabalhar, numa rede de transportes que, genuinamente, possa servir os interesses da população.

Francisco Mota Ferreira

francisco.mota.ferreira@gmail.com

Coluna semanal à segunda-feira. Autor dos livros “O Mundo Imobiliário” (2021), “Sobreviver no Imobiliário” (2022) e “Crónicas do Universo Imobiliário” (2023) (Editora Caleidoscópio).