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Opinião

Francisco Mota Ferreira

Soltem os prisioneiros

11 de junho de 2024

Eu sei que não é a primeira vez que abordo este tema, mas achei que, à força do que tenho escrito sobre isto e a forma indignada como esta questão é tratada pela malta do imobiliário, confesso-vos que achei que aquela ideia tonta que o sector tem de que os clientes são seus para a vida toda já tinha passado de moda e que as pessoas tinham finalmente ganhado algum juízo. Infelizmente tal não se verifica e ainda esta semana vieram novamente contar-me histórias de guerras entre agências e consultores por causa de clientes passados e presentes.

Vamos lá ser claros e corrijam-me por favor se eu estiver errado, mas acho que é só no imobiliário que este fenómeno dos supostos clientes eternos acontece, certo? Não estou a ver eu a ir ao stand da BMW buscar um carro novo e o vendedor receber um telefonema da Mercedes a dizer que me venderam um carro primeiro e, como tal, têm direito à comissão da venda da marca da Baviera. Ou que eu deveria ter falado com eles primeiro antes de ir à BMW comprar um carro. É só ridículo, certo?

Imaginem isto aplicado a várias vertentes da nossa vida: nos supermercados, nas lojas de roupa, nas e nos namorados… era um pequeno caos, embora nalguns casos até fosse eventualmente divertido.

Não sei, confesso-vos como é que isto ainda pega. A história da raspadinha dos números do telemóvel ou a rasura no email para garantir se o cliente que está à procura de um imóvel não comprou no passado noutro lado e, se assim o fez, não estará a cumprir com a regra (não escrita, obviamente) que deve a fidelidade eterna à pessoa e à marca com quem fez negócio pela primeira vez.

Temos tanto receio que nos roubem os clientes, o negócio e/ou a comissão que entramos no ridículo. Um ridículo que, levado ao extremo, tem levado por exemplo a que muitos consultores continuem a pagar referenciações a colegas de um negócio que ocorreu há vários anos. E isso acontece porque o colega apresentou um cliente a este e o cliente passou a fazer negócios connosco ao invés do primeiro. E, decorrente disso mesmo, há aquela mania, que pessoalmente acho só ridícula, de que temos de ser eternamente gratos a quem nos apresentou um cliente. Que o façamos no primeiro negócio que fizemos em conjunto ainda percebo. Agora que o façamos sempre, é um excesso de ética que não joga, sinceramente, com os esquemas que acontecem no imobiliário e que fazem com que, quem por aqui anda, seja tendencialmente desconfiado de tudo e de todos.

Eu entendo que no imobiliário as transações envolvem grandes somas de dinheiro e comissões substanciais. E, nesse sentido, querer assegurar um cliente pode representar uma significativa fonte de rendimento para o agente imobiliário, para a agência ou para a marca.

Mas acho que nos estamos a esquecer de algumas regras básicas, que começam por algo tão simples como a confiança. Se eu tenho a confiança do meu cliente, de certeza que este voltará para negociar comigo. Se a coisa não correu assim tão bem, porque raio é que temos de exigir ou querer que este cliente fique nosso para sempre?

Coisa diferente, naturalmente, é quando assinamos um contrato de exclusividade com o cliente em que nos comprometemos durante um determinado período a trabalhar para encontrar aquilo que este cliente nos levou a procurar. Mas isso tem, naturalmente, uma duração específica, numa relação que se estabelece e que se espera que seja cumprida por ambas as partes.

O resto, a moda das raspadinhas, dos números e das terminações de email são apenas fantasias criadas por quem não quer ter muito trabalho a procurar novos clientes.

Metam, por favor, isto nas vossas cabeças: o cliente negoceia com quem quer e mal seria se fosse obrigado a estar com uma marca ou um consultor só porque fez uma vez um negócio com este. Começa a ser tempo de soltarmos os prisioneiros.

Francisco Mota Ferreira

francisco.mota.ferreira@gmail.com

Coluna semanal à segunda-feira. Autor dos livros “O Mundo Imobiliário” (2021), “Sobreviver no Imobiliário” (2022) e “Crónicas do Universo Imobiliário” (2023) (Editora Caleidoscópio)