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Opinião
Francisco Mota Ferreira

Francisco Mota Ferreira

Reabilitar o interior de Portugal

16 de junho de 2025

Durante tempo, demasiado tempo, falar de reabilitação urbana no interior de Portugal era quase sinónimo de conversa de café entre autarcas e técnicos municipais com muito entusiasmo e muito pouco orçamento. A prioridade nacional parecia estar focada no litoral, com Lisboa e Porto a absorverem grande parte dos fundos, dos projetos, das intenções políticas e dos investidores.

Felizmente, nos últimos anos – e muito por via da pandemia e do teletrabalho – as aldeias e vilas do interior começaram a surgir como um plano B cada vez mais viável para quem quer viver com mais espaço, mais silêncio e, sobretudo, menos prestações ao banco.

Numa altura em que se começou a agravar, de forma gradual, a crise de Habitação em Portugal, este sonho ganhou, cada vez mais, contornos reais: famílias jovens, profissionais em regime híbrido e até os desejados nómadas digitais começaram a trocar a periferia urbana pelo campo com fibra ótica. Casas antigas, muitas delas devolutas há décadas, passaram a ter novo fôlego. E, felizmente, a paisagem transformou-se, ou pelo menos tem vindo progressivamente a transformar-se: onde antes havia ruína e decadência, há agora janelas novas, correrias de crianças, lareiras acesas e bicicletas à porta. O interior reabilitado ganhou vida. E ganhou, também, uma nova população.

Este movimento trouxe consigo dinâmicas inesperadas. Novos residentes significam novas exigências: creches, cafés com wi-fi, eventos culturais, transportes mais eficazes. Algumas autarquias – num raro rasgo de visão – acompanharam este ímpeto com incentivos à fixação, apoio à reabilitação, programas de acolhimento e, até, um fácil acesso aos decisores políticos que podiam ser encontrados na rua ou nos cafés. Outras continuam a acreditar que um cartaz de boas-vindas, uma rotunda nova e toneladas de burocracia iriam fazer o milagre de reverter décadas de abandono.

Mas nem tudo são, obviamente, boas notícias. A crescente atratividade destas zonas levanta uma questão inevitável e que passa por se perceber quem é que está, verdadeiramente, a beneficiar da reabilitação urbana no interior? Estamos a criar aldeias modelo para turistas e nómadas digitais de passagem? Ou estamos a construir comunidades sustentáveis com base em residentes permanentes, que contribuem para a economia local e se envolvem no tecido social?

O sector imobiliário, naturalmente, também olhou para este fenómeno com interesse. Reabilitar no interior é, à partida, mais barato – mas vender ou arrendar continua a ser mais difícil. O retorno do investimento é lento, e muitas vezes limitado ao turismo ou ao alojamento local. A questão é: compensa investir para habitação permanente, quando o grande apetite do mercado ainda está focado em estadias curtas e experiências “autênticas” embaladas para visitantes de fim-de-semana?

A resposta está, talvez, no modelo híbrido. Nem a utopia da autossuficiência bucólica, nem o modelo predador do turismo de massas. Há espaço – e necessidade – para soluções intermédias: políticas públicas que incentivem a reabilitação para habitação duradoura, programas de integração de novos moradores, investimento em serviços básicos e, claro, uma visão partilhada entre autarquias, Estado e promotores imobiliários.

Como ainda escrevi aqui na semana passada, o teletrabalho, que muitos vaticinaram como revolução permanente, continua a ser uma oportunidade subvalorizada. A possibilidade de viver longe dos grandes centros, sem cortar com a atividade profissional, pode ser o motor de repovoamento que tanto se procura. Mas isso só acontecerá se houver condições: casas com qualidade, internet confiável, transportes decentes e uma vida comunitária minimamente ativa.

O interior não precisa de ser um parque temático rural para turistas urbanos. Pode – e deve – ser uma alternativa habitacional real. A reabilitação urbana é o primeiro passo. O segundo é garantir que essa reabilitação não serve apenas para enriquecer quem não lá vive. E o terceiro, e talvez o mais difícil, é acreditar que Portugal é muito mais do que Lisboa e Porto. Basta, literalmente, olhar para dentro.

Francisco Mota Ferreira

francisco.mota.ferreira@gmail.com

Coluna semanal à segunda-feira. Autor dos livros “O Mundo Imobiliário” (2021), “Sobreviver no Imobiliário” (2022), “Crónicas do Universo Imobiliário” (2023) e “Conversas sobre o Imobiliário” (2024) | Editora Caleidoscópio.

*Texto escrito com novo Acordo Ortográfico