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Opinião

 

Por uma verdadeira política de arrendamento

7 de junho de 2021

Todos temos a noção que em circunstâncias normais, para uma qualquer família ou indivíduo, dificilmente haverá uma decisão financeiramente mais onerosa do que a compra de uma casa. Como vos referi no artigo anterior, considero que há todo um racional e um emocional à volta da mesma, numa decisão que tem uma importância fundamental. Porque será na nossa nova casa que vamos criar as nossas melhores recordações: para nós, os nossos amigos e a nossa família.

Às vezes, temos de adiar estes sonhos e acabamos por comprar ou arrendar não o imóvel ideal, mas a casa possível. Porque aceitámos um emprego fora da nossa cidade, porque a nossa vida pessoal deu uma reviravolta ou porque não temos condições para ter a vivenda com jardim e piscina e temos de nos contentar com o terraço na cidade.  O que, confesso-vos, não acho de todo errado.

O mercado do arrendamento, se fosse bem feito, com políticas sérias de apoio por parte do Estado e das Autarquias, com incentivos às empresas de construção civil e aos proprietários, seria a opção lógica e natural das famílias. Não apenas das famílias tradicionais, mas também daquele grupo de amigos que se juntam para viverem juntos, ou dos jovens adultos que estando já saturados de estar em casa dos pais fazem o seu grito de Ipiranga.

A crise, o COVID e a estranha estratégia de empobrecer o país e os portugueses, que parece ser o mote dos sucessivos Governos em Portugal, acaba por colocar muito em stand by estas decisões e opções estratégicas. Mas, mesmo assim, e pelo que me vou apercebendo do mercado, há dinâmicas novas e variáveis que vieram aqui baralhar o que era tido como normal ou tradicional no imobiliário. O que não é, de todo, estranho, e até é saudável: mostra que o mercado, apesar de tudo o que parece que fazem contra este, sabe adaptar-se e criar dinâmicas próprias, respondendo, mesmo assim, às necessidades de quem procura novas soluções. E todos nós já assistimos ou passámos por isso.

No tempo dos nossos avós era normalíssimo as famílias arrendarem a casa onde acabavam por viver toda a vida. Porque não havia um poder de compra por aí além e porque também o Governo incentivava o mercado de arrendamento. E porque, sejamos concretos, com um Portugal que ia do Minho a Timor, muitas eram as famílias que hoje estavam na então chamada Metrópole e, por circunstâncias diversas, acabavam por refazer a vida numa das Províncias Ultramarinas. E, claro está, comprar um imóvel não era uma solução (e, em muitos casos nem sequer compensava porque, no caso dos arrendamentos promovidos pelo Estado, o imóvel ficava na posse da família que o arrendava ao fim de 20 ou 30 anos – no fundo um empréstimo feito pelo Estado que, por ser o Estado, podia fazer condições melhores de política social que um qualquer privado, que vise o lucro, nunca pode fazer).

A geração dos nossos pais (e as seguintes) acabaram por embarcar na opção de compra do imóvel, algo que acabou por prender famílias e gerações inteiras a políticas de endividamento, limitando a sua mobilidade e cerceando possíveis oportunidades. No final de contas, quem teria a capacidade para manter uma casa, honrar os seus compromissos à Banca e ainda arrendar uma segunda, numa outra cidade ou noutra geografia, mantendo ao mesmo tempo a cabeça à tona da água no mar de dívidas que se acumulam?

Temos assistido a uns esforços, tímidos ainda é certo, para mudar o status quo, levando cidadãos e famílias a considerarem como opção em cima da mesa o arrendamento. Há políticas dispersas do Estado, incentivos de algumas autarquias que levam a que, nalguns casos, o valor do arrendamento de um imóvel compense em face da opção de compra com empréstimo bancário. Mas enquanto não existir uma estratégia clara de incentivo, aliada a benefícios fiscais, melhores condições de vida e salários condignos, continuaremos, todos, a olhar para a árvore em vez de pensarmos na floresta. Adiando, sine die, o futuro de milhares de portugueses.

Francisco Mota Ferreira

Consultor imobiliário