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Opinião

 

Construir para arrendar

30 de agosto de 2021

Nas próximas linhas queria partilhar aqui convosco algo que, sendo uma realidade lá fora, aqui em Portugal tem tido alguma dificuldade em arrancar. Falo do Built to Rent (Construir para Arrendar).

Para escrever ao que me propus, há aqui algumas perguntas prévias que acredito serem relevantes: existe ou não um mercado de arrendamento em Portugal? Qual a importância que o Estado e/ou as Autarquias podem ter na valorização do mercado de arrendamento (cumulativo ou preferencial em relação ao mercado da compra)? Que papel cabe aos promotores imobiliários/investidores nesta tendência? E os clientes? Como se pode fazer com que estes optem por arrendar ao invés de comprar?

Sabemos que o mercado do arrendamento em Portugal está a crescer. Um crescimento que decorre das alterações que a sociedade passou a ter que lidar com o COVID, a novos padrões de consumo, passando pela dificuldade em fixar os jovens por períodos mais longos num determinado local e também pelas preferências que os clientes, cada vez mais exigentes, têm no mercado de habitação. 

Embora admita este crescimento, considero, possivelmente, ao contrário da maioria, que não estamos a assistir a uma tendência de mercado, mas infelizmente a algo que será apenas conjuntural. Um fogacho, que não se irá sustentar por si, quando alguma ou todas as variáveis que referi no parágrafo anterior se alterem. E digo-o taxativamente desta forma porque, qualquer um dos players que referi no início deste artigo - e que podiam mudar este paradigma - não está ainda sensibilizado para o fazer. Ou, no limite, não o quer fazer.

Já aqui o escrevi no passado e reafirmo: o mercado do arrendamento, se fosse bem feito, com políticas sérias de apoio por parte do Estado e das Autarquias, com incentivos às empresas de construção civil e aos proprietários, seria a opção lógica e natural das famílias.

O problema, como sabemos, é o de que, no que ao mercado de arrendamento diz respeito, estamos a lidar apenas com paliativos temporais, que podem ser mudados porque não há uma política estrutural para o sector, mas apenas soluções esparsas.

Acredito que a opção built to rent, se for bem pensada, poderá ser o caminho para a valorização de uma política de arrendamento em benefício de todos. E, naturalmente, ser a única opção possível para os jovens que querem sair de casa dos seus pais ou para as famílias que não conseguem aceder ao crédito bancário – e, ou me engano muito, ou o fim das moratórias em Setembro pode ser, infelizmente, o gatilho que pode fazer disparar esta opção, quando milhares de famílias tiverem de entregar as suas casas aos Bancos por incumprimento das prestações.

O Estado, ao nível nacional e autárquico, tem dado alguns sinais que mostram que esta pode ser uma tendência a considerar no curto/médio prazo. E embora a oferta ainda não consiga dar resposta à procura, as propostas, ainda que avulsas, tendem a colmatar este gap: medidas que dispensam investimentos iniciais nos terrenos de construção e licenças de construção e que apresentam benefícios fiscais. E, claro está, o incentivo à construção de novos fogos para este objectivo, onde os promotores imobiliários terão uma palavra a dizer.

Para isto ser uma realidade, no mercado built to rent, o Estado tem de perceber que tem de ser parte da solução e nunca parte do problema. Não basta ser facilitador, isentar taxas e taxinhas e esperar que os privados assumam todos os riscos. E se a ideia é a de dinamizar o mercado de arrendamento, dar outras opções aos jovens e às famílias, também os promotores e investidores imobiliários têm de ver o Estado a assumir os riscos desta estratégia. Até porque, sejamos concretos, não deve caber apenas aos investidores e aos promotores a assunção de todos os riscos numa medida que tem claras implicações sociais (e políticas).

Só desta forma, acredito, é que estes poderão ser parceiros numa verdadeira revolução do arrendamento em Portugal. Suportando com confiança a subida dos custos de construção, por exemplo, mas sabendo que o Estado como parceiro, irá suportar alguns custos inerentes, numa verdadeira política social de habitação. Não para todos, mas para os que mais precisam. Para que, cada vez mais, o built to rent seja encarado não como uma moda, mas uma necessidade.

Francisco Mota Ferreira

Consultor imobiliário