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A canção do engate

19 de julho de 2021

Há uns tempos atrás pedi para partilharem comigo algumas histórias sobre o assédio no imobiliário. E, embora tivesse alguma ideia de que este existe, nunca pensei que as coisas estivessem como estão.

Analisando o que fui ouvindo, confesso-vos que desconheço se quem o faz (ou tenta fazer) pensa que existe uma estreita relação entre o facto de a malta do imobiliário lidar com casas e a perceção – no sector, mas também fora dele (que, infelizmente, acho que existe) – de que as pessoas que trabalham no imobiliário são tendencialmente oferecidas ou passíveis de serem conquistadas só porque sim.

E tudo começa, naturalmente, com um telefonema. Telefonemas de potenciais clientes que, a pretexto de verem determinado imóvel, tentam convidar consultores para algo mais que uma relação profissional, são a abordagem mais comum. E desenganem-se quem pensa que isso só acontece às consultoras que nasceram com dois palmos de cara.

Contaram-me relatos na primeira pessoa de consultores que passaram um mau bocado para evitar assédios de clientes só porque as pessoas acham que, por sermos latinos, o homem tem de estar disponível para satisfazer outras necessidades de clientes que não passem exclusivamente pelo imobiliário. De igual forma, não é porque a consultora aceita ter uma reunião em casa do cliente, que isso se traduz numa alegada disponibilidade para medir outras coisas que não sejam as áreas do imóvel.

Correndo o risco de ser chamado de machista, tenho a noção que para o homem será, talvez, mais fácil (ou menos arriscado) lidar com a situação. Todavia, em qualquer um dos casos, é triste. E perigoso, admito.

Ainda não estamos ao nível dos EUA, onde os consultores andam armados ou têm tasers para se defenderem. Mas pelo que percebi, e para evitarem equívocos, muitas consultoras acabam por tomar algumas cautelas que, se houvesse seriedade, não eram necessárias. Cautelas que passam, por exemplo, por não irem sozinhas a casa dos clientes, por não fazerem visitas sem outros colegas e outros mecanismos de defesa que permitem, dentro deste caos, encontrar alguma segurança.

Há, também, infelizmente, algum assédio que se regista entre colegas da mesma agência ou de agências diferentes, nomeadamente se existe alguma posição de alegada preponderância de um em relação ao outro – broker vs consultor ou representante de cliente comprador vs consultor que tem o activo.

Para os mais incautos fica o conselho: nada justifica que sejam colocados(as) numa posição em que tenham que fazer algo que não querem ou desejam apenas porque acham que o têm de fazer para não perderem o “emprego” ou o negócio. O “emprego” é sempre relativo: felizmente no imobiliário, o que não faltam são oportunidades para qualquer consultor trabalhar em qualquer agência ou marca onde se sinta confortável, onde o respeitem e onde possa ser feliz. Em relação aos negócios, já me dizia o Senhor meu Pai: não há dinheiro nenhum que pague a nossa dignidade.

Há assédio no sector? Infelizmente sim. Muito embora estejamos a falar de um negócio que é de pessoas para pessoas este, como sabemos, não é um fenómeno exclusivo do imobiliário. Aqui, como em qualquer lado, cabe a cada um de nós separar o trigo do joio e mostrar que podemos fazer este trabalho de pé e de cabeça erguida e não na horizontal.

Francisco Mota Ferreira

Consultor imobiliário