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Entrevistas

 

É crucial suspender o pagamento de impostos, incluindo o IMI e o AIMI, até ao final do ano

20 de abril de 2020

O impacto desta crise no sector, assim como a sua verdadeira dimensão, ainda está longe de se conseguir apurar, atendendo à grave situação mundial, declara Manuel Reis Campos, presidente da Confederação Portuguesa da Construção e Imobiliário - CPCI.

Em entrevista ao Diário Imobiliário admite que a Construção e o Imobiliário têm especificidades que não podem ser ignoradas e sabendo-se que o país não pode parar, é necessário encontrar soluções flexíveis e ajustadas para esta actividade.

Qual o impacto desta pandemia no sector da Construção e do Imobiliário?

O impacto desta crise no sector, assim como a sua verdadeira dimensão, ainda está longe de se conseguir apurar, atendendo à grave situação mundial.  Efectivamente, o Estado de Emergência não decretou a suspensão das obras, devendo destacar-se o papel da Construção e do Imobiliário que, apesar de todas as dificuldades, a exemplo do que se passou na generalidade dos países da Europa, e do mundo, nunca foi determinada a suspensão da sua actividade.

Evidentemente, a vida e a saúde da população nunca poderão ser descuradas e todas as empresas terão, necessariamente, de adaptar as suas metodologias de trabalho a uma nova realidade que terá custos ao nível operacional, com os procedimentos necessários para garantir a segurança dos trabalhadores, cumprindo as orientações da Direcção Geral de Saúde e as recomendações que as Associações do sector divulgaram.

Recordo que, a Construção e Imobiliário representa cerca de 600 mil trabalhadores, 17,4% do PIB e 50,5% do Investimento pelo que é uma actividade que atravessa, de forma transversal, todo o tecido económico português e é afectada em diversas dimensões, começando desde logo pelos constrangimentos originados pelas medidas de contenção do surto pandémico.

Há muita incerteza que está associada à evolução do surto pandémico e à profundidade das medidas que ainda possam vir ser tomadas neste âmbito e, por isso, existe uma profunda preocupação com o futuro mais imediato e com a necessidade de salvaguardar as empresas neste momento excepcionalmente difícil. Olhando um pouco mais para a frente, sabemos perfeitamente que este é um sector imprescindível e, tal como reafirmado pela própria Europa, estará na liderança do processo de retoma. Num primeiro momento, o efeito catalisador do Investimento Público é indispensável e seguramente que, se há área em que os projectos não podem parar é precisamente no domínio das infraestruturas da saúde.

Porém, é preciso salvaguardar as empresas e no imediato, estamos perante um possível desastre absoluto num sector que representa 600 mil trabalhadores. Como tivemos oportunidade de transmitir ao Governo, trata-se de uma actividade que, sem trabalho nem pagamentos, não tem receitas e, só na Construção, suporta encargos directos, com 306 mil trabalhadores e com a banca, de 493 milhões de euros mensais.

A Construção e o Imobiliário têm especificidades que não podem ser ignoradas e sabendo-se que o país não pode parar, é necessário encontrar soluções flexíveis e ajustadas para esta actividade, tanto ao nível da segurança dos seus trabalhadores, como da sustentabilidade das próprias empresas.  É crucial suspender o pagamento de impostos, incluindo o IMI e o AIMI, até ao final do ano e apoiar financeiramente os encargos com o pessoal, como está a acontecer noutros países. Importa também fazer chegar liquidez de forma imediata às empresas, criando-se uma linha de crédito específica para a Construção e Imobiliário, recorrendo-se aos instrumentos financeiros europeus, com uma taxa máxima de 1% de juros, proceder ao pagamento imediato a todos os fornecedores do Estado, bem como criar mecanismos de adiantamento de trabalhos contratados. O lay-off simplificado, que já vai na sua quarta versão, tem de ser imediato e abrangente e corresponder às reais necessidades das empresas do sector.

Já existem números sobre as consequências para as empresas? 

Note-se que, o Estado de Emergência foi inicialmente declarado a 18 de Março, pelo que, a generalidade dos indicadores sectoriais disponíveis ainda não reflecte a realidade actual. Os últimos números relativos ao licenciamento, por exemplo, são de Fevereiro e revelam um crescimento, em termos homólogos, de 3,2% no número de fogos novos licenciados e o consumo de cimento, nesse mesmo mês, registava um aumento de 5,1% face a 2019.

Como vê as medidas criadas pelo Governo para apoiar as empresas do sector? As linhas de crédito estendidas ao imobiliário e construção são suficientes? O que falta fazer?

Em concreto, no que diz respeito às linhas de crédito, defendemos desde logo a inclusão do sector neste instrumento que é essencial para apoiar as necessidades imediatas de tesouraria das empresas. A última linha, lançada há dias pelo Governo, respondeu a essa necessidade e as empresas da Construção e do Imobiliário estão expressamente contempladas neste mecanismo pelo que, agora, o que falta fazer é assegurar que estes recursos chegam rapidamente ao tecido empresarial.

Porém, esta medida, tal como o acesso simplificado ao lay-off, o qual tem de ser imediato e abrangente e corresponder às reais necessidades das empresas do sector, estão orientados para as questões mais imediatas e não são, de todo, suficientes. É necessário proceder ao pagamento a todos os fornecedores do Estado, bem como à criação de mecanismos de adiantamento de trabalhos contratados, implementar uma moratória efectiva dos créditos à Banca, prever a suspensão do pagamento dos impostos incluindo-se aqui o IMI e o AIMI, disponibilizar orientações técnicas que permitam impedir a penalização das empresas pela impossibilidade de realizar as obras e, por outro lado, assegurar o apoio ao sector na manutenção da sua actividade, tendo sido apresentado ao Governo o projecto "Criar Resiliência na Indústria da Construção - Um plano para a Continuidade no âmbito do Covid-19”.

Quanto é esperado em termos de perda para o sector da construção e do imobiliário?

Tudo dependerá da capacidade de controlar o surto pandémico e, não menos importante, da efectividade das medidas que venham a ser tomadas. O FMI avançou com uma primeira estimativa para uma quebra sem precedentes do PIB, de 8% pelo que é possível ter uma ideia dos cenários macroeconómicos que estão a ser desenhados mas, mais importante que este número, é a rapidez com que vamos conseguir restaurar a confiança e iniciar a retoma económica.

O que acha que vai acontecer no mercado imobiliário? Quais as perspectivas?

O mercado imobiliário não está imune ao que se passa na economia e no mundo e, como é evidente, há projectos que, no imediato, não vão avançar e, consequentemente, haverá, no imediato, uma redução significativa do volume de negócios. Porém, a generalidade dos analistas aponta para que, a prazo, este seja um dos domínios que podem mais rapidamente regressar à normalidade. É evidente que, para isso, o país terá de assegurar níveis de estabilidade, de confiança e de competitividade aos investidores e às famílias em geral.

 Apesar do que estamos a viver a nível mundial, Portugal tem passado uma imagem positiva a nível internacional. Acredita que isso trará confiança para os investidores estrangeiros e para que a recuperação seja mais rápida?

Nesse sentido, tudo deve ser feito para assegurar a confiança e quando falamos de investimento, esta é uma questão que assume uma grande preponderância. Assegurar um ambiente de investimento estável, competitivo e seguro é um desafio prioritário porque, desta vez, não bastará ser efectivo, também é preciso ser rápido e tomar as medidas certas.

Portugal tem de recuperar, desde já, o seu posicionamento competitivo à escala global em domínios como o investimento imobiliário e assumir, de igual modo, a liderança noutras áreas como o turismo ou a captação de investimento empresarial. Recordo que, no ano passado, o investimento imobiliário representou 27,2 mil milhões de euros dos quais, praticamente um quinto, ou seja, 5,4 mil milhões com origem externa.

Assegurar a competitividade internacional dos programas de atracção de investimento estrangeiro, em particular do Regime de Tributação dos Residentes Não Habituais e do Programa de Vistos Gold, eliminar o AIMI e a injusta tributação dos stocks de imóveis detidos pelas empresas do sector, ou impedir a incerteza e a penalização dos investidores que estão a ser introduzidos por diplomas desligados da realidade como é manifestamente o caso da Lei de Bases da Política dos Solos, são medidas concretas que tem de ser assumidas no imediato.

Neste novo contexto, também cabe às Autarquias um papel determinante e podem e devem olhar, em especial, para a política de cidades como uma oportunidade de reposicionar os seus territórios, captar investimento e assegurar o reequilíbrio da economia local, preparando incentivos e assegurando a rapidez das decisões.  Mais concretamente em matéria de urbanismo, este é um repto que deve ser acolhido. O Município do Porto é, neste domínio, um exemplo a ser replicado no resto do país, ao ter apresentado um pacote de medidas relacionadas com a gestão urbanística, denominado “REURB 2020” e que está, precisamente, focado na criação de incentivos e na aceleração da apreciação dos processos urbanísticos e, assim, não só permite o avanço dos projectos que já estão planeados, como melhora a competitividade do município na captação de novos investimentos. De igual modo, o papel das Autarquias é também decisivo, ao nível do investimento público. Veja-se, ainda, a decisão da Câmara de Lisboa, que vai acelerar a concretização do seu plano de investimentos, no valor de cerca de 620 milhões de euros, por um conjunto vasto de áreas, entre elas, a habitação.