Ainda compensa a tática do “respirou, entrou”?
Durante o período em que fiz imobiliário na sua vertente residencial contava-se a história, que corria várias marcas, que, no imobiliário, não era preciso uma pessoa esforçar-se muito para entrar e começar a exercer a atividade, uma vez que havia a tese de que bastava respirar para ser logo contratado como consultor.
Na altura, argumentava-se que qualquer marca teria sempre, à partida, uma série de vantagens em empregar sem qualquer critério. E que começava logo pela formação que era dada aos consultores. Havia marcas onde a inicial era tendencialmente gratuita, mas depois, as seguintes já eram pagas pelo consultor, traduzindo-se isto em dinheiro em caixa para a agência em questão. Se a isto se somasse a ausência de um salário e a possibilidade futura da marca poder ficar com as angariações do consultor que, entretanto, desistia ou rumava a outras paragens, estava aqui, mais ou menos explicado porque é que isto acontecia de forma recorrente.
Passaram, entretanto, já alguns anos e quis perceber se esta é uma tendência que ainda se mantém. Nas conversas que fui tendo, com alguns consultores e brokersque me honram com a sua amizade, fiquei esclarecido qb. Ainda é uma prática que ocorre em algumas marcas e agências, mas, hoje em dia, mais depressa, as marcas se canibalizam entre si, na tentativa de roubar para a concorrência o consultor do qual possuem as melhores referências. Convenhamos que já é um upgradena fórmula “respirou, entrou” e há, mesmo assim, alguma tendência em tentar nivelar a coisa por cima.
De igual forma, e como tão bem sabemos, há inúmeras agências que continuam a ter nos seus sites os ditos consultores “fantasma”, profissionais que há muito já deixaram essa marca ou essa agência, mas que continuam a fazer parte dos seus “quadros”, certamente para que não se note a sangria a que essa agência em particular foi sujeita.
Nas marcas que ainda praticam o recrutamento em massa (que las hay, las hay) nota-se que continua a existir uma extrema pressão para cumprir supostas quotas e projetar uma imagem de crescimento constante, o que, como sabemos, nem sempre corresponde à realidade, por muito que se queira ostentar grandes equipas como sinal de força e liderança no mercado.
Mas, como diz o ditado, quantidade nunca foi sinónimo de qualidade. E quem ainda continua a apostar na ausência de qualquer triagem tem de ter a noção que esta opção custará caro a médio prazo. Porque, na ânsia de poderem dizer que têm um número elevado de consultores a trabalhar consigo, a agência esquece-se que estes não deixam de ser embaixadores da marca que escolheram representar, com todas as consequências inerentes: muitas vezes, sem a formação adequada, com pouco ou nenhum conhecimento do sector, estes consultores são lançados para um mercado competitivo, desafiando-os a alcançar resultados num curto espaço de tempo.
E depois, já se sabe: a falta de triagem e a ausência de investimento no desenvolvimento profissional destes rookies compromete não apenas a experiência do cliente, mas também a credibilidade da própria marca. Clientes insatisfeitos tendem a associar a fraca qualidade do serviço à marca como um todo, resultando numa perda de confiança que pode ser difícil de recuperar. Mesmo que, neste caso, acabem por pagar os vários justos por apenas um pecador.
A ausência de triagem trás também a degradação da reputação deste sector. A perceção, que infelizmente ainda hoje existe, de que qualquer pessoa pode ser consultor imobiliário, enfraquece a profissão e desvaloriza o trabalho dos profissionais que fazem disto vida, e não um hobby em part-time. O imobiliário, que deveria ser sinónimo de confiança e rigor, vê-se envolvido numa imagem de facilitismo e superficialidade, que afeta todo o sector e não apenas as redes que promovem estas práticas.
Como travar isto? Simples. As marcas deveriam começar a priorizar a qualidade sobre a quantidade, apostar em processos de recrutamento criteriosos, formação contínua e suporte aos consultores, que permita construir equipas sólidas, capazes de gerar confiança junto dos clientes e entregar resultados consistentes. É difícil? Naturalmente que sim. Mas não tenho dúvidas que é por aqui o caminho.
(Está já disponível “Conversas sobre o Imobiliário”, o quarto livro que reúne os meus textos escritos sobe o sector entre 2022 e 2024. Quem o quiser adquirir ou promover a apresentação na sua agência esteja, por favor, à vontade para me contactar: francisco.mota.ferreira@gmail.com).
Francisco Mota Ferreira
francisco.mota.ferreira@gmail.com
Coluna semanal à segunda-feira. Autor dos livros “O Mundo Imobiliário” (2021), “Sobreviver no Imobiliário” (2022), “Crónicas do Universo Imobiliário” (2023) e “Conversas sobre o Imobiliário” (2024) | Editora Caleidoscópio