
Francisco Mota Ferreira
A minha alegre lojinha
A escassez de Habitação em Portugal tornou-se uma preocupação recorrente e, nesse sentido, não faltam ideias criativas para tentar encontrar possíveis soluções que minorem o problema. Uma que tem feito o seu percurso, mas que, a meu ver, ainda tem muito para caminho para percorrer, diz respeito ao aproveitamento de espaços comerciais para uso residencial. O que, não deixa de ser, convenhamos, uma enorme ironia porque, como todos sabemos, faltam casas, mas sobram edifícios comerciais vazios.
Por haver esse suposto excesso de oferta, a conversão de escritórios, lojas e armazéns em habitação aparece, assim, como uma proposta quase óbvia: aproveita-se um espaço já existente para dar uma resposta à procura e, de caminho, revitaliza-se o comércio local, misturando zonas comerciais com zonas residenciais. Porém, e por mais simples que pareça no papel, passar de montras com letreiros para janelas de salas de jantar ainda exige coragem para lidar com uma verdadeira epopeia burocrática.
Em março do ano passado entrou em vigor o chamado Simplex Urbanístico, que prometia agilizar o processo: bastava comunicar à Câmara Municipal a mudança de uso, sem precisar da aprovação prévia do condomínio, e esperar 20 dias pela resposta ou vistoria. Uma formalidade rápida, ao alcance de um clique. Contudo, a realidade é outra: em muitos casos, a pressa de muitos confronta-se com Autarquias subdimensionadas e sistemas de validação que variam de município para município.
Ainda assim, mesmo nas câmaras que tentam ganhar velocidade, a burocracia não desaparece. A instrução do pedido de licença de utilização para habitação implica uma avaliação técnica prévia, que averigua as infraestruturas existentes e os requisitos legais de habitabilidade e, quando o imóvel faz parte de um prédio, continua a ser exigida a autorização unânime dos condóminos. Resultado? Processos que se estendem por meses intermináveis quando tudo poderia fazer acreditar que este Simplex iria ajudar a acelerar os processos de licenciamento e autorizações inerentes.
E porque não há Autarquias iguais – em termos de dimensão, recurso ou forma como encaram este Simplex, por exemplo– podemos ver que há cidades onde a Câmara Municipal é um verdadeiro facilitador e outras onde se torna mais um obstáculo. Há quem ofereça regimes de apoio ao proprietário que reabilite para arrendamento de longa duração, mas faltam recursos técnicos para dar andamento rápido aos processos. Em muitos casos, o desenho de incentivos existe no papel, mas esbarra na falta de pessoal e de sistemas digitais eficazes para realizar a tramitação dos pedidos. Por isso, muitas vezes percebe-se, pelas piores razões, que a retórica da habitação a preços acessíveis não deixa de soar um tanto dissonante, quando entre os maiores obstáculos estão o tempo e o dinheiro que são perdidos em gabinetes de urbanismo.
Portugal tem recebido criticas da Comissão Europeia por, por exemplo, não aproveitar o parque habitacional já construído — público ou privado — para mitigar esta crise. As recomendações incluem a eliminação de obstáculos ao arrendamento de casas vagas e à renovação de edifícios devolutos, mas faltam medidas concretas de apoio financeiro e uma estratégia integrada que valorize, por exemplo, imóveis localizados fora dos grandes centros urbanos.
No meio de boas intenções e burocracias inerentes, resta, pois, perguntar: pode a conversão de espaços comerciais ser solução estrutural, ou ficará limitada a projetos pontuais para turismo de fim-de-semana ou Alojamento Local (AL) de luxo? O mercado imobiliário já sinalizou este receio: a Banca hesita em financiar conversões sem licenciamento prévio e muitos investidores preferem reabilitar para AL do que para arrendamento permanente, onde o retorno é mais lento e menos lucrativo.
Transformar montras em janelas pode e deve fazer parte da solução, mas esta só será possível se for acompanhada de desburocratização real, incentivos fiscais para habitação duradoura, financiamento acessível e reforço das equipas técnicas nas Autarquias. Sem isso, esta será mais uma boa intenção que ficou pelo caminho, perdida entre as montras vazias de negócios falhados e apartamentos a preços cada vez mais proibitivos.
Francisco Mota Ferreira
francisco.mota.ferreira@gmail.com
Coluna semanal à segunda-feira. Autor dos livros “O Mundo Imobiliário” (2021), “Sobreviver no Imobiliário” (2022), “Crónicas do Universo Imobiliário” (2023) e “Conversas sobre o Imobiliário” (2024) | Editora Caleidoscópio.
*Texto escrito com novo Acordo Ortográfico