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Arquitectura

 

Trabalhadores em arquitectura alertam que 'Mais Habitação' promove abuso e precariedade no sector

23 de março de 2023

O Sindicato dos Trabalhadores em Arquitectura (SINTARQ) alertou hoje que o programa Mais Habitação promove "o abuso” e a precariedade já existentes no sector,incentivando a “indignidade laboral” e a responsabilização civil exclusivamente daqueles profissionais.

“O SINTARQ considera que a proposta do Governo é terreno fértil ao abuso e aproveitamento de situações de fragilidade já existentes no sector da arquitectura e construção, acumulando a indignidade laboral com encargos de responsabilização civil, imputada exclusivamente aos trabalhadores”, sustenta o sindicato em comunicado.

Conforme explica, com a nova proposta de legislação deixa de ser exigida aos promotores ou empresas de construção a contratação de serviços de arquitectura, arquitectura paisagista ou engenharia, “bastando agora ‘contratar’ um trabalhador com inscrição válida na respetiva ordem/associação profissional que assine um termo de responsabilidade para imediatamente iniciar uma obra”.

Num contexto em que “todos os meses” chegam já ao sindicato "denúncias de assédio” e de “recurso abusivo e indiscriminado a falsos recibos verdes e falsos estágios IEFP [Instituto do Emprego e Formação Profissional] para ocupação de postos fixos de trabalho” e em que “abundam as situações de trabalhadores precários que assumem responsabilidades, inclusivamente de autoria de projetos”, o sindicato considera que o resultado será um agravamento do “ciclo de naturalização da precariedade e do abuso de direitos” no sector.

“Urge pensar em modelos de efectiva responsabilização das empresas e sociedades multidisciplinares em arquitectura, à semelhança do que já acontece noutros setores (como na construção civil, por exemplo)”, sustenta o SINTARQ.

Para o sindicato, a “responsabilização que não deve passar apenas pela responsabilidade civil, mas também, pela garantia de dignidade e estabilidade laboral dos seus trabalhadores”, assim como pelo acesso destes às 40 horas anuais de formação contínua a que têm direito, direito esse “amplamente não cumprido”.

A este propósito, a estrutura sindical alerta para a “particular urgência” da responsabilização de empresas e entidades públicas pela formação contínua e especialização dos trabalhadores em arquitetura, quando o Governo vem propor que, a partir de 01 de janeiro de 2025, todos os projetos de arquitetura e respetivas especialidades devam ser apresentados em BIM (‘Building Information Model’).

“Se não se tomarem medidas, serão previsivelmente os trabalhadores a ver-se forçados a assumir os avultados custos de formação profissional para a aquisição de novas competências sob risco de exclusão do mercado de trabalho”, denuncia.

Enfatizando que “o incremento de competência e de responsabilidade assumida não pode estar desligado de uma efetiva valorização do trabalho”, o SINTARQ defende que “medidas de incentivo à contratação coletiva são as que melhor servem os trabalhadores e a necessária capacitação para responder às carências de habitação e do ordenamento do território”.

“Garantir o direito à habitação não pode ser indissociável do direito de todos a salários dignos e condições de trabalho estáveis”, salienta.

Como exemplo da situação vivida pelos profissionais do setor, o sindicato aponta o facto de, com os valores atuais das rendas, um trabalhador em arquitetura de Lisboa que aufira o salário médio de 928 euros mensais do setor, e pretenda viver sozinho num T0, “é expulso da sua cidade e só encontrará casa a 50 quilómetros de distância, em Coruche”.

Após ter já feito chegar ao Governo uma posição no âmbito da consulta pública do programa Mais Habitação, com uma compilação das conclusões saídas de um debate com os seus associados, o sindicato vai agora organizar uma reunião, aberta a todos os trabalhadores em arquitetura, no próximo dia 01 de abril, pelas 10:30, simultaneamente no Porto, em Lisboa e ‘online’.

O objectivo, diz, é “definir linhas de ação e reivindicações dos trabalhadores em arquitectura para acabar com o flagelo dos falsos estágios e propor caminhos de erradicação da precariedade”.

“Não haverá habitação digna sem a dignificação do trabalho de quem a projeta e constrói, não só dos trabalhadores em arquitectura, mas de todos os demais. Garantir o direito à Habitação não pode ser indissociável do direito de todos a salários dignos e condições de trabalho estáveis que permitam a garantia de uma vida melhor”, argumenta o SINTARQ.

Relativamente à consulta pública do Mais Habitação, o sindicato lamenta a “desvalorização do processo de discussão”, criticando o “prazo excessivamente curto e medidas genéricas lançadas de forma desestruturada num documento como base de discussão, posteriormente alterado a, meio do processo, para uma extensa proposta de lei e alargado o prazo de discussão por duas vezes sem qualquer aviso”.

LUSA/DI