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Opinião
Francisco Mota Ferreira

Francisco Mota Ferreira

Foi você que pediu um apagão?

12 de maio de 2025

No rescaldo do apagão ibérico, que começou às 11h33 de 28 de abril e só terminou já perto das 21h00 do mesmo dia, ficou claro que a nossa rede está longe de ser à prova de bala. Mais: a opção de Portugal estar ligado a Espanha, em termos energéticos, porque, supostamente, fica mais em conta, coloca o nosso País numa interdependência com Espanha que deve fazer D. João IV dar voltas no túmulo.

Este foi um apagão que parou Portugal de norte a sul (safaram-se as ilhas) provocando um caos que só não foi pior porque estamos no horário de verão e a eletricidade chegou à maioria do território nacional quando o dia ainda tinha luz. Se a energia só tivesse sido reposta durante a noite, outros cenários teriam ocorrido e estaríamos aqui a pensar mais no que deu errado.

O apagão expôs também a nu a necessidade dos nossos edifícios – residenciais e outros – estarem dotados de maior investimento em isolamento térmico e painéis solares. Esta necessidade vai muito para além de uma suposta conversa de ecologista radical, mas mais uma prova viva de que um edifício eficiente é, na prática, um casulo de resiliência.

Vamos por aqui alguns números nesta conversa: segundo os dados da APAT (Associação dos Transitários de Portugal), o salto de consumo de 15% naquele dia custou perto de 400 milhões de euros à economia ibérica. Colocando em perspetiva, este valor é mais do que o PIB conjunto de meia dúzia de concelhos portugueses. E o expoente máximo desse custo foi o preço da eletricidade, que disparou para 47,92 €/MWh por cá — quase cinco vezes mais caro do que a cotação espanhola de 10,24 €/MWh.

Se tivéssemos um parque edificado com isolamento decente - janelas de três camadas, capoto exterior e ventilação mecânica controlada, por exemplo - e se cada prédio tivesse, mesmo que em microescala, painéis fotovoltaicos com baterias de apoio, muitas famílias nem teriam sentido o blackout. Em vez da corrida tonta aos supermercados, a procura desesperada de lanternas ou a tentativa de carregar powerbanks, os Portugueses tinham ficado num ambiente confortável e seguro. E, já agora, com uma prova clara que a nossa dependência de combustíveis fósseis estaria em níveis mínimos, dando não apenas uma boa notícia para a carteira, mas também para o planeta.

O problema é que, nestas coisas, como em tantas outras que ocorrem em Portugal, só falamos disto quando corremos atrás do prejuízo. E, neste caso, o prejuízo traduz-se no facto de, em Portugal, quase 75% dos edifícios são anteriores a 1990 — ou seja, foram construídos quando nem sabíamos o que era a Classe A ou o selo energético. Isso traduz-se numa poupança que não existe e num desperdício de energia brutal. Promover a reabilitação energética, com subsídios mais ágeis e menos papelada, não é apenas abater emissões; é criar refúgios urbanos que funcionam mesmo quando o sistema cai.

Num País normal, iríamos aproveitar o momento pós-apagão para transformar este acidente numa oportunidade de mudança. Campanhas de sensibilização que mostrem “antes e depois” de uma habitação eficiente, linhas de crédito a custo zero para quem investe em painéis, boas práticas de construção e até “selo de resiliência” para edifícios que provem ter autonomia mínima de 24 horas podiam ser algumas medidas que demonstrariam alguma vontade de mudança.

Tudo isto parece simples e de facto até é: edifícios mais eficientes são menos vulneráveis a apagões, a crises de custos energéticos e a faturas obscenas. E nesta era de incertezas, a verdadeira aposta ganha é aquela que nos dá conforto, poupança e aquela segurança extra de sabermos que, num próximo blackout, estaremos minimamente blindados. Proteger os nossos lares passa também por reinventar a forma como os desenhamos, isolamos e eletrificamos, olhando para o futuro com energia. E, de preferência, sem cortes.

Francisco Mota Ferreira

francisco.mota.ferreira@gmail.com

Coluna semanal à segunda-feira. Autor dos livros “O Mundo Imobiliário” (2021), “Sobreviver no Imobiliário” (2022), “Crónicas do Universo Imobiliário” (2023) e “Conversas sobre o Imobiliário” (2024) | Editora Caleidoscópio.

*Texto escrito com novo Acordo Ortográfico