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Opinião

 

Os filhos da fruta

2 de dezembro de 2020

Quem cresceu nos anos 80 saberá o que estou a falar. A música publicitária de uma conhecida marca de sumos de fruta serviu de pretexto para que gerações de miúdos tendencialmente bem-educados pudessem chamar a alguém de “filho da fruta”. Se algum adulto nos ouvia, tínhamos sempre a desculpa que estávamos apenas a replicar o anúncio. E, obviamente, nunca a sugerir que quem estava a ser alvo deste tipo de impropérios era, necessariamente, filho de uma senhora de ocupação duvidosa.

Serve esta introdução nostálgica a propósito de algo que tenho ouvido muito dizer, mas que, felizmente, no meu caso em concreto, tenho estado, até agora (e reforço o “até agora”) imune: as sacanices (pardon my french) que ocorrem entre colegas no imobiliário, seja para roubar um negócio, aldrabar numa comissão ou para nos tentarem impor condições leoninas numa oportunidade que deveria ser boa para todas as partes.

Ouve-se, infelizmente, do pior. Se temos a sorte de estar ligados a uma empresa bem sustentada – ou se porventura temos arcaboiço financeiro para avançar judicialmente contra quem nos enganou – acabamos por encontrar justiça, mesmo que demore uma eternidade (sendo que isso, na maior parte das vezes não é culpa nossa, mas do moroso e burocrático sistema judicial que temos).

Lamentavelmente, na maioria dos casos, não é isso que acontece. Porque às vezes parece que as agências só gostam de ficar do lado dos consultores se percebem que também estão a perder dinheiro e muitas vezes é o comercial que tem de encontrar formas de ser ressarcido.

Porém, e pelo que me fui apercebendo dos relatos que me foram chegando, há, felizmente, mais fama que proveito. Hoje em dia, os consultores primeiro desconfiam, depois desconfiam e, normalmente após alguns quilos de papelada e burocracia, começam, aos poucos, a confiar. E os casos mais dramáticos ocorrem após uma suposta relação de confiança consolidada.

No resto, lamento dizer, mas há um problema de base ético entre os consultores imobiliários. Tirando os que têm a sorte de ter parceiros credíveis com quem habitualmente já fazem negócio e que acabam por não sair muito deste casulo de confiança, e os outros que se blindam em quilos de papel para garantir que todas as partes se portam bem, há aqueles casos que, dizendo muito de quem os pratica, mostram também porque é que a desconfiança é a rainha do negócio e a confiança apenas se limita a ser a amiga colorida com quem estamos algumas vezes. 

Contava-me a propósito deste tema uma amiga que trabalha com uma das maiores marcas implantadas em Portugal que até podia partilhar na rede dela os meus imóveis, mas que teria dúvidas que, se houvesse negócio, ela fosse gratificada por ter feito essa ponte. Quando lhe expliquei que, da minha parte teria sempre essa segurança – nem que fosse à conta da minha própria comissão – explicou-me que o problema nunca seria em relação a mim, mas sim com os colegas da marca, uma vez que estes poderiam entrar em contacto comigo sem nunca dizer que vinham através dela e, portanto, não lhe pagar a referência do imóvel.

E mesmo os exclusivos não são, hoje em dia, garantia de (quase) nada. Desde colegas que, vendo uma placa da concorrência num determinado imóvel, deslocam-se ao mesmo para falar com o proprietário e tentar obter o negócio para eles próprios, alegando que têm já cliente para aquela casa. Ou os que dinamitam a relação do consultor e o cliente para tentar angariar o contrato.

Mas o que me deixa francamente desiludido com os meus pares é, confesso-vos, as falsas partilhas ou as tentativas leoninas de parceria, em que uma parte tem 40% e a outra 60% (ou às vezes até menos). Ou quando se inventam parceiros ou terceiras partes nos negócios para que uma das partes fique com 2/3 e a outra apenas 1/3. Este é, pelo que me apercebi das várias conversas que fui tendo com consultores, um terreno muito fértil em que quem tem a suposta posição dominante abusa da outra parte.

As falsas partilhas será sempre algo que nunca poderei concordar. Como já aqui tive oportunidade de escrever diversas vezes, defendo a divisão igualitária entre todas as partes. Acho que este é, cada vez mais, o caminho a seguir, para que se crie confiança entre quem trabalha – principalmente entre agências diferentes. Creio que será a partilha que nos irá fazer renascer no mercado, criando a segurança, elemento essencial para o sucesso de qualquer negócio.

Infelizmente, temos um longo caminho a percorrer. Porque ainda há quem acredita que lucra mais sendo um genuíno filho da fruta.

Francisco Mota Ferreira

Consultor imobiliário