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Opinião

 

O tamanho conta

11 de julho de 2022

Admiro, sinceramente, sem qualquer ironia subjacente, a nossa capacidade empreendedora e de desenrascanço. É devido a esta que, acredito, existem uma profusão de marcas, agências e consultores a operar no mercado nacional, cada um a lutar pelo seu lugar ao sol e com a capacidade para, em maior ou menor medida, atrair talento e negócio.

O imobiliário tem sido, aliás, uma actividade que tem conseguido lutar contra a corrente e, diga-se o que se quiser, apesar das crises e das dificuldades, tem sobrevivido para contar a história. Dito isto, confesso-vos que estou muito preocupado com os tempos que aí vêm.

No outro dia, em conversa com um amigo que muito prezo, chegámos a uma conclusão que, não sendo visionária, será muito provavelmente o que, infelizmente, irá acontecer ao sector na próxima crise, sobrando muito pouco para contar uma outra história.

Explico o que nos levou a algumas horas de conversa, começando a falar de outras áreas de negócio, para que todos possamos estar alinhados e vejam a floresta e não apenas a árvore que se destaca nela.

No sector automóvel, por exemplo, havia uma profusão de marcas, todas elas independentes entre si, que lutavam em sã concorrência. Hoje em dia, são grandes grupos e sinergias e raras são as empresas que sobrevivem só por si.

Nos pneus, a mesma coisa. As oficinas de bairro, que tinham negócios de pneus multimarcas, estão praticamente extintas e as grandes empresas monopolizaram o mercado, comprando as marcas mais pequenas e/ou levando estas à falência.

No retalho, as grandes superfícies praticamente deram cabo do comércio de rua e os que sobrevivem fazem-no num modelo antigo, tradicional e de excepção que, lamentavelmente, terá os seus dias contados. Por muito que se tentem agarrar ao conceito da loja de proximidade ou do produto mais exclusivo.

Os restaurantes até podiam fugir a esta regra, mas como também sabemos, hoje estão abertos e com reservas até 2035, porque foram referenciados numa qualquer publicação da moda. Mas, de repente, ficam às moscas e fecham as portas.

Por isso, é também minha convicção que, no imobiliário, se irá assistir a esta tendência de concentração, com as marcas maiores a aglutinarem as mais pequenas, comprando-as (se virem que o EBITDA destas até pode valer a pena) ou, pura e simplesmente, aniquilando-as, com processos de aquisição hostil ou levando-as à falência. E se estiverem mais atentos, hão-de reparar que, aos poucos, estão a surgir algumas notícias, discretas, de compras, mas também de fusões e aquisições no mundo imobiliário. Mais cedo do que mais tarde também chegarão aqui.

Os mais incrédulos podem sempre argumentar que o mercado tem sempre lugar para os melhores e os mais talentosos. Claro que sim. Esses serão os que terão sorte e que verão ser a sua marca a ser comprada por um preço justo (num processo um pouco ou tanto discreto que, acho, já se iniciou aqui em Portugal). Os outros, os que acham que vão poder competir por quotas de mercado com as maiores ou que acreditam que poderão funcionar numa lógica de nicho de mercado, com uma imobiliária boutique, serão os que irão à falência por manifesta teimosia dos seus proprietários, que acreditaram que podiam sobreviver numa disputa onde, literalmente, o tamanho conta.

Francisco Mota Ferreira

Trabalha com Fundos de Private Equity e Investidores e escreve semanalmente no Diário Imobiliário sobre o sector. Os seus artigos deram origem ao livro “O Mundo Imobiliário” (Editora Caleidoscópio).