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O arrendamento em Portugal – Parte IV

20 de junho de 2022

Sempre me despertou uma enorme curiosidade o binómio estranho que vivemos em Portugal e que passa pela profusão de imensas casas novas e em construção, que convivem em paralelo com um infindável cemitério de casas vazias, imóveis por reabilitar e habitação degradada que o tempo se encarrega de dar uma solução.

Nas últimas semanas, a propósito do arrendamento, tenho discorrido sobre o que, a meu ver, têm sido décadas de políticas erradas na habitação e como é que aqui chegámos. Pelo que tenho lido, ouvido e conversado, considero que tem havido, por parte de alguns players, alguma tentativa de o reabilitar. Mas, quanto mais falo e estudo sobre o tema, mais convicto estou que qualquer solução só poderá existir quando as várias partes interessadas se entendam relativamente aos caminhos futuros que podem e devem ser feitos para que a compra de uma habitação não seja o alfa e o ômega das políticas de habitação. Ou, no limite, também não seja feito tábua rasa de tudo o que foi feito até agora neste campo na convicção de que antigamente é que era bom.

A meu ver, o caminho faz-se, naturalmente, não privilegiando uma opção em detrimento da outra, mas dar algumas condições competitivas para que, quem escolher arrendar ou comprar, possa fazê-lo em consciência e ciente das vantagens e inconvenientes que qualquer uma das opções naturalmente trará.

Para uma solução taylor made que vá ao encontro do que o mercado procura, terão que ser criadas, a montante, condições para que seja vantajoso existirem parecerias com vários players, entre entidades públicas e privadas, para que o consumidor final possa escolher a solução de habitação que mais lhe convém. Tornando, assim, o arrendamento uma opção competitiva em face da possibilidade de compra.

E, para isso, temos de abordar o problema do elefante na sala que, no caso, é o imenso património habitacional público que está abandonado. Porque o Estado (central ou local) não tem interesse em reabilitá-lo, porque não tem condições ou, nos casos mais extremos, porque nem sequer sabe que o imóvel X, Y e Z em determinada localidade lhe pertence porque o Senhor Manuel faleceu sem deixar herdeiros.

Começa-se, assim, pelo início, com um levantamento sério, rigoroso e exaustivo do que é património público ao abandono e do que é património privado em iguais condições. No caso da sua relação com os privados, Estado e/ou autarquias locais não devem assumir uma posição dominante, impondo prazos irreais, impostos lesivos ou condições draconianas para essa reabilitação ocorrer. Dever-se-á, a meu ver, criar condições para que privados possam agir, em parceria com o Estado e as autarquias, na busca da melhor solução para o problema em concreto que, no limite até pode passar pela expropriação do imóvel pelo Estado.

O poder público deve, por isso, ser elemento agregador e facilitador de vontades, limitando a construção nova ao estritamente necessário ou quando não exista uma alternativa de reabilitação que possa servir as necessidades de procura. Ao mesmo tempo, deve dar melhores condições para que entidades privadas – proprietários, investidores, promotores, etc. – possam ser entidades parceiras no edifício estatal que está há décadas abandonado e onde, no futuro, poderão coexistir, por exemplo, famílias e serviços.  Se, no limite, o Estado acabar apenas por cumprir uma função social e não ganhar com o negócio ou acabar por ter apenas um lucro residual, será sempre melhor do que tal cenário ocorrer com os privados.

Será também necessário envolver players que, por norma, têm uma palavra a dizer no imobiliário. Não apenas os promotores e as agências imobiliárias, o Estado ou as Autarquias, mas também os investidores, os Fundos de Investimento, a Banca e, as associações de moradores. No limite, até o próprio cidadão particular (proprietário ou não) pode ter um papel activo neste debate, se se descobrir que será dele em concreto que pode vir o começo da solução.

Cada vez mais acredito que a resolver o problema da habitação em Portugal passa pelo Sector Público, com o Estado e Autarquias Locais a ter um papel determinante nesse futuro. Queiram fazê-lo e tenham vontade e força para tal, dando uma nova vida à política de habitação, apoiando as famílias, reabilitando o arrendamento e colocando algum travão no preço excessivo que hoje em dia é pedido na compra de uma qualquer habitação. E, claro está, que sejam dadas condições, nomeadamente fiscais, aos proprietários para que seja igualmente vantajoso a estes colocar os seus activos no mercado de arrendamento.

No limite, acredito não será preciso inventar a roda: olhe-se lá para a fora e veja-se as soluções mais fantásticas e extraordinárias que diversos países na Europa (para nos limitarmos só ao Velho Continente) têm feito em políticas de reabilitação urbana, dando nova vida às velhas cidades e contribuindo para que, em cada país, seja assegurado o direito constitucional a uma habitação condigna.

Francisco Mota Ferreira

Trabalha com Fundos de Private Equity e Investidores e escreve semanalmente no Diário Imobiliário sobre o sector. Os seus artigos deram origem ao livro “O Mundo Imobiliário” (Editora Caleidoscópio).