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Opinião

 

Fugir para o interior

4 de outubro de 2021

Em Portugal, qualquer Governo que se preze tem sempre o discurso de povoar o interior, de dar mais condições ao interior, de lutar contra a desertificação de Portugal. E o argumento de que, inversamente, o litoral está sobrelotado e com menos oportunidades. Pelo andar da carruagem, quero acreditar que, a curto/médio prazo esta situação irá mudar e será a malta do litoral a ter que pedir para ter melhores oportunidades. Explico.

A maioria das pessoas que vivem no litoral ou junto aos principais centros urbanos sabe do que falo: imóveis mais caros – para comprar ou arrendar – pior qualidade de vida, bens de primeira necessidade inflacionados, trânsito, stress, e um dia-a-dia que, por norma é passado entre a casa e o trabalho e o trabalho e a casa, ambicionando chegar ao fim do mês para pagar as dívidas e as contas, sobrando muito pouco para o que quer que seja (quando sobra).

Inversamente, quem vive no interior, acaba por ganhar mais com o mesmo dinheiro: casas mais baratas – para comprar ou arrendar – melhor qualidade de vida, bens de primeira necessidade mais baratos, ausência quase total de trânsito, níveis reduzidos de stress, e um dia-a-dia que, por norma, é passado entre a casa e o trabalho e o trabalho e a casa, com tempo para, ao final da tarde, ir beber um copo com amigos ou ter um qualquer momento de lazer. E, se estas pessoas moram junto à fronteira, chegam ao final do mês com ainda mais dinheiro do que o desgraçado que (sobre)vive em Lisboa com 700 euros de ordenado, porque conseguiram pagar as dívidas e as contas, sobrando algum pocket money para, vamos supor, as férias do Verão.

O que acima descrevi será, talvez, o segredo mais mal guardado de Portugal. No entanto, e a cobro da interioridade, tem-se despejado rios de dinheiro para as coisas mais absurdas (mas felizmente também para as mais essenciais) para o suposto desenvolvimento urbano de uma população. E já não falo do fetiche absurdo dos autarcas pelo alcatrão e pelas rotundas, mas peço-vos que comparem, em termos de rácio, naturalmente, a proporção de piscinas, ginásios ou outros equipamentos desportivos ou mesmo teatros, salas de espetáculos ou outros equipamentos culturais de uma cidade como Lisboa ou Porto e uma qualquer cidade do interior. Vão constatar que o rácio é francamente mais favorável no interior do que no litoral, tudo a cobro de persistentes políticas de sucessivos Governos que, ao quererem limitar o fosso entre o interior e o litoral, acabaram por dar muito melhores condições aos primeiros, não desenvolvendo por aí além os benefícios a dar aos segundos.

E se acham que estou a ser injusto ou a exagerar, basta verem o fluxo bastante interessante que se tem assistido de famílias a mudarem do litoral para o interior, das grandes cidades para outras mais pequenas. E não é só o COVID e o confinamento que contribuíram para esse fluxo.

Tenho para mim que esta nova migração interior deve-se, também, ao facto de muitas e muitas famílias Portuguesas estarem literalmente à rasca. Perderam o emprego com o COVID, faliram os seus negócios, vão perder a casa para a Banca e fazem agora este movimento desesperado para tentar salvar ainda o pouco que podem salvar, tentando reconstruir a sua vida com os cacos que neste momento ainda têm disponíveis.

Digam o que disserem, mas os salários não vão subir por aí além e os preços vão continuar a aumentar. Mesmo no interior, onde agora se percebeu que, afinal, também poderão existir boas oportunidades.

Ao contrário dos estrangeiros, que compram grandes propriedades no interior do País, alguns ainda a preços de saldo (para eles, naturalmente), para a maioria das famílias portuguesas, a fuga para o Interior é o último resquício de dignidade possível face a uma pandemia que lhes tirou tudo e a resposta a um Estado que não soube responder e auxiliar quem mais precisava no seu momento de maior necessidade. Mesmo com paliativos, como o anunciado Emprego Interior MAIS – Mobilidade Apoiada para um Interior Sustentável que vos irei falar num próximo artigo.

Francisco Mota Ferreira

Consultor imobiliário