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Opinião

 

Covid-19 permite não pagamento das Rendas

7 de abril de 2020

Num estado de excepção, como aquele que vivenciamos com o presente Estado de Emergência, são de vários quadrantes as medidas excepcionais e temporárias que vão sendo tomadas pelo nosso legislador com vista a dar resposta à epidemia e às suas consequências.

Escudado no fundamento de garantir a estabilidade possível na vida dos cidadãos, já haviam sido adoptadas algumas medidas com vista a conceder protecção aos arrendatários, designadamente as publicadas na Lei n.º 1.º-A/2020.

No seu seguimento são agora implementadas novas medidas pelo agora publicado a Lei n.º 4-C/2020, que prevê o “Regime excepcional para as situações de mora no pagamento da renda devida nos termos de contratos de arrendamento urbano habitacional e não habitacional, no âmbito da pandemia COVID-19”, tentando mitigar a carência económica das famílias e das empresas.

Com esta panóplia de medidas, extensíveis ao arrendamento habitacional e não habitacional, demonstra o legislador que o seu propósito hoje não é de estímulo ao arrendamento, mas antes de apoio económico, quer quanto ao pagamento das rendas pelo inquilino, quer quanto ao pagamento de um rendimento de substituição ao senhorio.

Porquanto ser notório que o presente contexto afecta muitas famílias, cujos rendimentos poderão diminuir durante este período, acarretando dificuldades no pagamento atempado das suas rendas.

Em concreto são quatro as novas medidas de apoio ao arrendamento habitacional:

  1. apoio financeiro para os arrendatários habitacionais e os fiadores de estudantes arrendatários sem rendimentos do trabalho que, devido à quebra dos seus rendimentos, não consigam pagar a renda;
  1. apoio financeiro para os senhorios habitacionais que não recebam rendas de arrendatários abrangidos por estas medidas, originando uma quebra nos seus rendimentos;
  1. impossibilidade de resolução dos contratos de arrendamento fundamentado na falta de pagamento de rendas durante o estado de emergência e previsão de um prazo especial de 12 meses para o pagamento das rendas devidas para os agregados habitacionais com quebra de rendimentos [concedendo um diferimento];
  1. inexigibilidade de indemnização por atraso no pagamento de rendas, caso tal atraso tenha origem nos termos previstos;

Relativamente ao apoio financeiro, apenas em caso de quebra de rendimentos do agregado familiar, os arrendatários terão direito a um apoio financeiro, na forma de empréstimo sem juros concedido pelo IHRU, igual à diferença entre o valor da renda mensal devida e o valor resultante da aplicação de uma taxa de esforço máxima de 35% ao rendimento do agregado familiar.

Para tanto, o arrendatário deve verificar dois requisitos cumulativos: i) uma quebra superior a 20% nos rendimentos do agregado familiar, face aos rendimentos do mês anterior ou do período homólogo do ano passado; ii) o pagamento da renda de representar uma percentagem superior a 35% dos rendimentos de todo o agregado familiar [“taxa de esforço”].

De referir que também aos senhorios poderá ser concedido um apoio financeiro para compensar o valor da renda mensal que lhe seria devida e não foi paga, em caso de comprovada carência económica provocada pela falta de pagamento de rendas pelos arrendatários.

Tal empréstimo será concedido pelo IHRU se i) o senhorio apresentar uma quebra superior a 20% nos rendimentos do seu agregado familiar, face aos rendimentos do mês anterior ou do período homólogo do ano passado; ii) diminuição de rendimentos do senhorio advier do não pagamento de rendas pelos arrendatários ao abrigo deste novo diploma; e iii) sempre que o seu rendimento disponível do agregado familiar seja inferior ao IAS (438,81€).

Alerte-se ainda que sobre os arrendatários impende um dever de informação, devendo informar por escrito o senhorio quando se vejam impossibilitados do pagamento da renda, remetendo para o efeito os elementos que comprovem a situação de diminuição de rendimentos. Tal dever deve ser cumprido até 5 dias antes do vencimento da primeira renda em que pretendam beneficiar do apoio financeiro, ou nos 20 dias após a entrada em vigor da entrada em vigor da presente lei.

Uma outra medida é impor ao senhorio a impossibilidade temporária de exercer o seu direito à resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento de rendas vencidas o período de Estado de Emergência e no mês imediatamente subsequente ao seu término. No entanto, para tal ser aplicável terão os arrendatários de, findo aquele período, liquidar em duodécimos as rendas vencidas e não pagas.

Já no que concerne ao arrendamento não habitacional são agora estabelecidas as seguintes medidas de apoio:

  1. diferimento do pagamento da renda vencidas nos meses em que vigore o Estado de Emergência e no primeiro mês subsequente ao seu término;
  1. impossibilidade de resolução dos contratos de arrendamento fundado na falta de pagamento de rendas durante o Estado de Emergência e primeiro mês subsequente ao seu término, ou de desocupação de imóveis com o mesmo fundamento;

c) inexigibilidade de indemnização por atraso no pagamento de rendas, caso tal atraso tenha origem nos termos previstos;

Estas medidas sustentadas na quebra de rendimentos dos arrendatários comerciais aplicam-se apenas aos i) estabelecimentos abertos ao público destinados a actividades de comércio a retalho e de prestação de serviços encerrados ou que tenham as respectivas actividades suspensas ao abrigo do Decreto n.º 2-A/2020 ou por outra determinação legislativa ou administrativa, mesmo nos casos em que mantenham prestação de actividades de comércio electrónico ou de prestação de serviços à distância; bem como aos ii) estabelecimentos de restauração e similares, ainda que mantenham actividade de serviço de entrega ao domicílio ou “take-away”.

Porém, “nem tudo o que reluz é ouro”. Ainda que este seja um importante passo tendente à flexibilização do pagamento das rendas com vista a aliviar a pressão económica sobre os arrendatários, a verdade é que a sua aplicação temporal peca por escassa, visto só se aplicar às rendas vencidas a partir de 1 de Abril de 2020 e até ao mês imediatamente subsequente ao término do Estado de Emergência.

O que o legislador não viu (ou não quis ver…)  é que no arrendamento urbano a maior parte das rendas vencem-se no primeiro dia útil do mês imediatamente anterior aquele a que disser respeito (cfr. artigo 1075.º C.C.). Isto disto, a maior parte das rendas dos arrendatários respeitantes ao mês de Abril de 2020 já se venceram bem antes de dia 01 de Abril de 2020. O que significa que, ainda que estejam os rendimentos em drástica diminuição desde meados de Março, a maioria dos arrendatários/senhorios apenas poderão usufruir destas medidas por correspondência às rendas dos meses de Maio e seguintes, e sempre condicionado ao término do Estado de Emergência.

Mais uma vez o Estado apresenta muitas fragilidades na hora de legislar medidas a aplicar às relações de arrendamento. Já o havia demonstrado na suspensão dos prazos para denúncia/oposição à renovação dos contratos, e revela-o novamente agora com a ténue amplitude à abrangência destas novas medidas.

O pior será quando toda esta calamidade passar, as relações jurídicas estabilizarem e a incerteza jurídica hoje vivida originar litígios judiciais abundantes. Aí sim, será notória a falta de segurança jurídica e a enorme desprotecção que, entre outros, os agentes do arrendamento (senhorio e inquilino) atravessam nos dias de hoje.

Pedro Condês Tomaz

Advogado da Sociedade de Advogados Cerejeira Namora, Marinho Falcão

* Texto escrito com o novo acordo ortográfico