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Opinião

Francisco Mota Ferreira

O luxo não é para todos

15 de janeiro de 2024

Uma das coisas que me faz uma enorme confusão no mercado residencial é a profusão de marcas e agentes que se dizem dedicar ao mercado do luxo quando, na melhor das hipóteses, estarão a trabalhar para a classe média ou média-alta. Mas acham que, lá porque venderam um apartamento em Cascais, estão, automaticamente, rotulados como consultores de luxo.

Também tenho a noção que a fasquia está cada vez mais baixa – e não, desta vez, não estou a falar do profissionalismo e do critério de exigência na escolha dos consultores – e qualquer apartamento vendido por 500 ou 600 mil euros pode chegar a ser considerado pelos mais distraídos como um ativo de luxo. Lamento informar, mas não está, nem de perto nem de longe, abrangido por esse critério. Sim, eu sei que meio milhão é imenso e, infelizmente, a maior parte das pessoas que compra uma casa não consegue sonhar em gastar (ou pedir emprestado) perto disso. Talvez por isso, o sector seja também levado ao engano e ache que, no meio disto tudo, vender uma casa por 500 mil euros é um luxo. Até poderia ser. Mas, lamento informar, não o é.

E este imóvel até pode estar numa localização prime, mas, como sabemos, até nisso a malta consegue enganar e ir ao engano. Por exemplo, Estoril é só e tão só o Estoril E, com todo o respeito por exemplo por Bicesse, que, por sinal, tem casas ótimas, mas lamento dizer, não é Estoril, não está na primeira linha do mar e para chegar à marginal a pé ainda temos de andar um bocadinho. E, muitas vezes nos anúncios, vamos todos ao engano, achando, quem vende ou quem compra, que é fácil tomar os outros por tolos e vender algo de luxo quando não o é. Falei da localização, mas podia também falar do preço, dos acabamentos, do design, dos serviços personalizados ou a exclusividade. E, mesmo assim, cumprindo todos estes critérios, se calhar, não estávamos perante um imóvel de luxo.

Dito desta forma, torna-se difícil então tentar definir ou limitar o que é um ativo de luxo. Mas eu diria que a decisão final não é liquida ou certa. O que pode ser um luxo para mim pode não ser para outros. E vice-versa.

Ainda para mais porque a própria definição do que é considerado luxo pode variar ao longo do tempo. Pensemos, uma vez mais, na localização. Hoje um sítio que está in e, portanto, passível de albergar imóveis de luxo pode, no futuro, ficar out. E, apesar de ficarmos com uma casa bestial à mesma, esta acaba por ficar desvalorizada porque a localização passou a ter algo que a desvalorizou. Um exemplo radical seria, por exemplo, construir-se uma central nuclear em plena Quinta da Marinha, em Cascais. Ou criar bairros inteiros de habitação social neste exclusivo espaço. Está bem de ver que, rapidamente, o preço das casas cairia a pique, certo?

Volto ao início porque, temos, para além desta dificuldade em definir o que pode ser luxo, um problema com a disseminação deste conceito no sector imobiliário. Consultores e agências vendem e apregoam luxo sem o ser, generalizando algo que deveria ser por natureza, exclusivo e de cortar a respiração (e, naturalmente, custar uma pipa de massa). Quero com isto dizer que não há mercado de luxo em Portugal? Claro que sim. Mas é restrito, exclusivo e de nicho. Envolve discreção, muitos milhões e uma preparação exigente para lidar com clientes que, para além de serem muito ricos, estão habituados a serem muito bem tratados e a terem acesso a tudo o que o dinheiro pode comprar.

Peço para lerem outra vez o parágrafo anterior e revejam bem se se enquadram neste critério. Até podem vender 10 imóveis de um milhão por ano. Mas será que isso vos fará uns especialistas em consultadoria de luxo? Possivelmente ainda faltarão cumprir alguns itens desta exigente lista. O luxo não é, infelizmente, para todos.

Francisco Mota Ferreira

francisco.mota.ferreira@gmail.com

Coluna semanal à segunda-feira. Autor dos livros “O Mundo Imobiliário” (2021), “Sobreviver no Imobiliário” (2022) e “Crónicas do Universo Imobiliário” (2023) (Editora Caleidoscópio)