
Tiago Ferreira, Head of Operations Real Estate Portugal do Imovirtual & OLX
Comprar ou arrendar? A mudança cultural que está a redesenhar o mercado imobiliário
Portugal tem sido, historicamente, um país de proprietários. A mentalidade de “ter uma casa própria” esteve sempre enraizada na cultura nacional, incentivada por décadas de políticas de crédito favoráveis, um mercado de arrendamento pouco dinâmico e a perceção de que comprar é um investimento seguro e estável a longo prazo. No entanto, nos últimos anos, esta tendência tem vindo a sofrer uma transformação silenciosa, mas estrutural. O aumento das taxas de juro, a crescente mobilidade laboral e as mudanças nos estilos de vida das novas gerações estão a impulsionar uma maior abertura ao arrendamento. Esta evolução, que noutros mercados já aconteceu há várias décadas, poderá redesenhar profundamente o mercado imobiliário nacional e os seus intervenientes.
A transição para um modelo mais baseado no arrendamento não acontece de forma isolada. É o reflexo de uma conjugação de fatores económicos, sociais e culturais. A subida das taxas de juro, juntamente com os baixos rendimentos e o aumento do preço das casas tornou o crédito à habitação mais caro e inacessível para muitos compradores, particularmente os mais jovens. Com as prestações a aumentarem significativamente nos últimos dois anos e com os bancos a endureceram os critérios para concessão de crédito, exigindo entradas mais avultadas e perfis financeiros mais sólidos, a opção de arrendar passou a ser vista como uma solução mais viável, ainda que também não isenta de desafios. Para os jovens e para quem se encontra numa fase inicial de carreira, a compra de casa é hoje uma possibilidade mais distante do que há uma década.
Paralelamente, a flexibilidade laboral tornou-se um fator determinante nas decisões habitacionais. O teletrabalho e a crescente mobilidade profissional tornam os compromissos financeiros a longo prazo menos atrativos, impulsionando a procura por soluções mais flexíveis. Além disso, as novas gerações valorizam a experiência sobre a posse, priorizando liberdade geográfica e financeira em detrimento da segurança tradicional associada à propriedade. Neste sentido, o conceito de estabilidade já não está necessariamente ligado à propriedade, mas sim à capacidade de adaptação e de escolha.
Este fenómeno não é exclusivo de Portugal. Em mercados como a Alemanha e a Suíça, o arrendamento tem sido, há décadas, o modelo dominante. Na Alemanha, por exemplo, mais de 50% da população vive em casas arrendadas, num mercado fortemente regulado, onde a estabilidade contratual e a previsibilidade dos aumentos das rendas criam um equilíbrio entre proprietários e inquilinos. Na Suíça, um cenário semelhante é visível, com um sistema fiscal e incentivos que tornam o arrendamento uma opção atrativa para a classe média. O que estes países demonstram é que uma sociedade baseada no arrendamento não significa instabilidade ou desvantagem, mas antes um modelo alternativo onde a regulamentação, a oferta disponível e as políticas públicas têm um papel essencial na garantia de um setor equilibrado.
Em Portugal, esta mudança cultural levanta desafios e oportunidades para os diferentes agentes do mercado. Para os investidores, o aumento da procura por arrendamento pode representar um novo foco de rentabilidade, mas também exige uma adaptação estratégica. A rentabilidade do arrendamento depende não só do equilíbrio entre oferta e procura, mas também das políticas públicas que regulam o setor. A incerteza legislativa e a possibilidade de maior regulação são fatores que podem impactar a decisão dos investidores, que necessitam de previsibilidade para garantir retornos sustentáveis. Por outro lado, para os promotores imobiliários, esta tendência pode incentivar uma aposta mais estratégica em modelos de negócio voltados para o arrendamento de longa duração, seja através da retenção dos imóveis para rendimento, seja através da adaptação a conceitos como coliving ou habitação acessível. Em alguns mercados internacionais, o segmento build-to-rent (BtR) tem vindo a crescer, criando um novo paradigma para a relação entre promotores e investidores no mercado habitacional.
A longo prazo, esta transição para um modelo mais assente no arrendamento poderá redefinir a estrutura do mercado imobiliário português. Se bem gerida, pode trazer benefícios significativos, como maior dinamismo no setor e maior mobilidade habitacional. Contudo, se não for acompanhada por medidas estruturais, corremos o risco de perpetuar um mercado com uma oferta insuficiente, onde os preços elevados do arrendamento limitam as opções dos consumidores e desincentivam o investimento. Para garantir um mercado de arrendamento mais acessível e estável, será essencial reduzir a carga fiscal sobre imóveis para arrendamento e nova construção, criando incentivos que estimulem a oferta e permitam um ajustamento mais equilibrado dos preços. Medidas como o programa “Porta 65”, os incentivos ao arrendamento acessível e a revisão da fiscalidade aplicada aos senhorios são passos na direção certa, mas ainda insuficientes para equilibrar o mercado. A experiência internacional mostra que políticas bem estruturadas podem fazer a diferença. Em países como a Áustria e os Países Baixos, os modelos de habitação acessível e de incentivo ao investimento privado no arrendamento têm permitido um crescimento mais sustentável do setor. Em Portugal, será essencial garantir um enquadramento legal e fiscal que favoreça tanto os inquilinos como os investidores, criando um mercado mais transparente e previsível.
A mudança de mentalidade no mercado imobiliário português é um reflexo das novas realidades económicas e sociais. A casa própria já não é um destino obrigatório, mas sim uma escolha entre várias possibilidades. O arrendamento, antes visto como uma solução temporária, assume agora um papel cada vez mais relevante na estratégia habitacional dos portugueses. Para investidores e profissionais do setor, esta transformação representa um desafio, mas também uma oportunidade para repensar estratégias, adaptar modelos de negócio e criar soluções inovadoras que respondam às necessidades de um mercado em evolução. O futuro da habitação em Portugal será, inevitavelmente, mais flexível, dinâmico e adaptável às novas formas de viver e trabalhar.
O caminho que Portugal decidir tomar nos próximos anos será determinante para a evolução do mercado imobiliário. Se continuarmos a assistir a uma transição progressiva para o arrendamento, será essencial garantir um equilíbrio entre regulação e incentivo ao investimento. Caso contrário, corremos o risco de perpetuar um mercado disfuncional, onde a falta de oferta empurra os preços para cima e limita as opções de quem precisa de um lar. A mudança já está em curso – a questão que se impõe é se o mercado e os decisores políticos estarão preparados para acompanhá-la da melhor forma.
Tiago Ferreira
Head of Operations Real Estate Portugal, Imovirtual & OLX
*Texto escrito com novo Acordo Ortográfico