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Opinião
João Correia Gomes (PhD, REV, MsC construção, Engenheiro civil) Professor na ESAI

João Correia Gomes (PhD, REV, MsC construção, Engenheiro civil) Professor na ESAI

A prosperidade exige mudança no imobiliário – Os vetores Instituição e Inovação

6 de junho de 2024

Com este artigo fecho o tema iniciado no meu último artigo publicado no Diário Imobiliário (https://www.diarioimobiliario.pt/A-prosperidade-exige-mudanca-no-imobiliario-Quanto-ao-vetor-gestao).

Perante os desafios que a sociedade coloca ao setor imobiliário será porventura útil refletir sobre os principais pilares que suportaram as sucessivas civilizações humanas e o seu sucesso. Este poderá ser o trampolim para novas conquistas para as sociedades humanas agora em metamorfose – o desafio maior da sociedade humana atual na conceção do filósofo Ulrich Beck.

Para além da gestão (nas suas diversas variantes) tudo progrediu com base nas instituições e na inovação. São estes os vetores a considerar para o imobiliário contribuir novamente para o renascimento e prosperidade da sociedade.

A essência da primeira civilização humana deveu-se ao assentamento físico dos seus membros porque exploravam a terra local para a produção de alimentos. Na ocasião emergiram dois suportes essenciais, a propriedade (primeiro fundiária) e a necessidade de assentamento dos humanos. O primeiro configurou a estrutura institucional, sobretudo ligada ao poder em sociedades agrárias de base familiar. O segundo configurou a apropriação e transformação da natureza, seja pela ocupação da superfície terrestre, como na extração de matéria ao solo para a edificação.

Ambos os temas definem ainda a atividade imobiliária, quer no seu intrínseco carácter institucional como na sua função. O primeiro expressa-se na estrutura socioeconómica baseada em direitos de propriedade e condiciona por regulação e coação através do licenciamento ou financiamento bancário (assim será a sustentabilidade). O segundo é o processo de transformação da natureza para ambientes adaptados às condições fisiológicas e psicológicas dos humanos, a satisfação das suas necessidades com o máximo uso dos recursos materiais.

Uma sociedade depende do seu imobiliário que a suporta, tanto no edificado como na intangível estrutura institucional que a mantém coesa. Sublinha-se que a principal base da sociedade de mercado é a propriedade. Mesmo sociedades mais avançadas e economias mais desmaterializadas não dispensam o foco no imobiliário para as suas operações e fluxos económicos. A dinâmica de crises e perdas imobiliárias afetam a sociedade com efeitos avassaladores em espiral e resultados não lineares, tendendo até para a estagnação social e económica.

Observa-se nas discussões públicas e modelos produtivos correntes a preservação das mesmas fórmulas do passado, sucessos do passado, mas hoje são meras quimeras ultrapassadas. Parece assim entender-se a incapacidade da sociedade em ultrapassar os atuais desafios. Todavia, tudo muda e também o imobiliário (institucional e económico) terá de evoluir.

As instituições

O objeto imobiliário é um produto institucional total. Na sua base está o registo e defesa dos direitos de posse, na conformidade da lei a precaver o caos social, económico e ecológico em face de interesses de poucos contra as perdas da maioria. A função das instituições passa por instigar confiança nos agentes da sociedade para que esta evoluir mais por cooperação do que por usurpação.

O imobiliário é demasiado carente de capital, exige confiança dos agentes para promover e investir. Caso contrário, como efeito, a sociedade definha e morre. Para esta função, o papel primordial não é do mercado, mas sobretudo das instituições públicas e depois dos cidadãos com o seu comportamento às regras e que lubrificam as atividades socioeconómicas.

Além da segurança, outra função essencial do Estado na sociedade de mercado deve ser o estímulo do ambiente institucional que gere confiança na sociedade e economia onde fluí capital e informação com eficácia e eficiência. A intervenção do Estado sempre foi essencial para atrair capital, regular e gerar confiança. Mas, o exagero nas suas medidas pode prejudicar, por exemplo, pela fixação do status-quo através dos excessos burocráticos ou do foco na satisfação de certos segmentos populares que influenciam resultados eleitorais.

O imobiliário é altamente institucionalizado e beneficiou muito com isso (crédito hipotecário, propriedade horizontal). Tem um papel essencial na atração de capital para a economia. Infelizmente, o contexto institucional dos últimos anos não parecia interessado em tal objetivo, sem o qual restaria a versão política de promoção pública, a qual parece falaciosa num país sem dinheiro.

Não é solução manter a usual instabilidade legislativa e fiscal, o sistema de justiça inadequado, a legislação vetusta ou indefinida (quase sempre pouco incentivadora da competitividade), a indeterminação da autoridade que licencia, que por vezes não cumpre os prazos da própria legislação (como o RJUE). Fica assustador como será o futuro comportamento das autoridades licenciadoras perante a recente legislação do “simplex urbanístico”.

A Inovação

Os contextos da sociedade mudam a ritmo muito acelerado na emergência de novas tecnologias, nos desafios ambientais e na escassez de recursos materiais que satisfação a crescente população exigente. Durante o último século até resultou produzir edificado com processos tradicionais carentes de abundante mão de obra, mas barata e muito experiente, apenas com alguma tecnologia e gestão de baixo padrão.

Porém, a escassez de recursos humanos conduziu, pela simples lei do mercado, ao aumento dos custos de construção. Tornou-se viável apenas edificar para os segmentos mais abastados da sociedade que podem pagar. Os processos tradicionais parecem já não ter capacidade para a elevada produção do passado. Nesta conjuntura é previsível manter-se a escassez de habitação acessível.

Como no passado, a solução terá de passar pela maior industrialização. Por exemplo, a produção pode decorrer em instalações off-site em processos controlados a montante, recorrer a capital tecnológico e digital, mas menos capital humano a elevar a produtividade. Todavia, tais soluções obrigam a alterações de conceitos culturais, quanto a materiais e arquitetura, e o foco na pré-fabricação, modulação, normalização e sistemas abertos e em escala.

Em combinação com os novos instrumentos financeiros, como a titularização da propriedade imobiliária, novos processos de construção e métodos de gestão, também pode vislumbrar-se novos conceitos imobiliários. Terá de se recuperar o conceito imobiliário de rendimento, e não apenas o de arrendamento, para uma ampla panóplia de soluções para a proveitosa exploração de ativos e venda de serviços no longo prazo. São conhecidos exemplos de conceitos como o co-living ou co-housing, mas poderão ser muitos outros que a criatividade e o enquadramento legal permitirem.

João Correia Gomes

(PhD, REV, MsC construção, Engenheiro civil)

Professor na ESAI - Escola Superior de Actividades Imobiliárias

*Texto escrito com novo Acordo Ortográfico