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O mercado imobiliário ibérico em 2021

16 de novembro de 2020

Escrever sobre o que pode acontecer no setor imobiliário no próximo ano é, na realidade, um desafio no atual momento de incerteza em que todos vivemos. Procurarei nas próximas linhas identificar alguns pontos de bloqueio e, com base na informação que diariamente capturamos na nossa atividade de consultoria, lançar um olhar sobre o próximo ano imobiliário.

Como o titulo o demonstra, em minha opinião, Portugal não pode ser olhado como um mercado “per si”, mas sim enquadrado no espaço ibérico, visto que, no domínio do investimento institucional, o que existe no radar dos investidores são oportunidades localizadas na Península Ibérica, onde Lisboa e Porto competem, em pé de igualdade, com Madrid e Barcelona.

O Orçamento de Estado português para 2021 trará o fim do regime atual do Golden Visa, medida essa que o setor da promoção imobiliária mais se bateu para manter desde a extinção da SISA. A intenção de fomentar o desenvolvimento do interior do país com esta discriminação positiva visa combater as assimetrias existentes. No ano 2000, o valor de apartamento numa cidade do interior era sensivelmente metade do preço de um com similares caraterísticas localizado em Lisboa. Esse diferencial, hoje em dia, verifica-se mesmo em concelhos dentro das Áreas Metropolitanas de Lisboa ou do Porto. Ou seja, em 20 anos migrámos também para assimetrias entre cidades do litoral. Ao monitorizarmos o valor de mercado do setor habitacional nos últimos 10 anos, verificamos também que entre 2010 e 2013 se produziram as maiores descidas de preço da última década, contudo, à data atual, o preço médio pedido por uma habitação em Portugal está cerca de 50% acima do que estava em 2013. Enquanto em Espanha no 2.º trimestre deste ano houve já uma descida do preço médio em 1,7% em Portugal assistimos a um crescimento de 7,9%.

Concomitantemente, em Espanha o regime de Golden Visa mantém-se, e, em 2019, foi requisitado por 1.442 cidadãos. Situação idêntica verifica-se também na Grécia, onde desde o inicio deste sistema já 6.304 cidadãos fizeram semelhante processo.

Assim sendo, num mercado cada vez mais competitivo por captação de investimento quer no espaço ibérico, quer no contexto europeu, Portugal irá perder competitividade no domínio dos clientes interessados em Golden Visa. A questão que se coloca é, se ao acabarmos o ano com a maior contração do PIB que há memória, deveríamos privilegiar a correção de assimetrias entre regiões ou entre países nesta luta global pela captação de investimento?

No domínio da fiscalidade muito se tem falado sobre a aparente acalmia para 2021. Todavia, gostaria de deixar para reflexão um outro ponto de bloqueio ao normal desenvolvimento do mercado ibérico, designadamente os enquadramentos legais dos REIT, mais vulgarmente conhecidos como SOCIMIS em Espanha e SIGI em Portugal.

Enquanto em Espanha se discute a introdução no próximo ano de uma taxa de 15% sobre os lucros não distribuídos, em Portugal não se dá um passo em frente na inclusão do passaporte comunitário, isto é, a adoção do regime intraeuropeu de reciprocidade, o que garantiria a todas as SOCIMIs poderem tornar-se SIGIs, e, por conseguinte, a um aumento exponencial dos fluxos de investimento. Será que não valeria a pena desbloquear este ponto para termos um mercado mais fluído e líquido?

Por fim, será inevitável o movimento de concentração na banca já iniciado em Espanha. Avizinha-se um grande aumento do crédito malparado. Dados ao segundo trimestre do corrente ano apontavam para um stock de NPL em Espanha de €79.3bn e em Portugal de €14.2bn. Se a estes stocks somarmos o efeito das moratórias - que em Espanha representam cerca de €52bn (7,9% do stock de crédito) e em Portugal cerca de €44bn, dos quais cerca de 2/3 corresponde a empresas e 1/3 a particulares -, facilmente concluímos que a dimensão deste mercado vai crescer exponencialmente no próximo ano. De salientar que apenas agora se escoam os últimos portefólios (Dakar: Espanha e Zip em Portugal) de habitação proveniente da última crise. Nesse sentido, não seria oportuno criar desde já mecanismos de flexibilidade à criação de um verdadeiro mercado de arrendamento habitacional institucional que permita atratividade a investimento e que ajude, por um lado, as famílias a ter uma renda compatível com o seu rendimento, e, por outro, os bancos a escoar o stock de habitação hipotecada para veículos de investimento que sejam bem geridos e com a fiscalidade apropriada? Desta vez não teremos tempo para esperar, tal como ainda esperamos por coisas muito mais simples como a portabilidade de um relatório de avaliação imobiliária!

Nelson Rêgo

Managing Director Prime Yield

* Texto escrito com o novo acordo ortográfico