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O Estado a que isto chegou

26 de outubro de 2020

Nos próximos tempos, vão entrar milhões e milhões de euros em Portugal, a maior parte dos quais a fundo perdido. A bazuca europeia de combate à crise, a pipa de massa vai servir para ajudar o País a recuperar e a enfrentar os desafios que se lhe apresentam. Esta é, como sabemos, a teoria.

A prática vai ser, entre outras coisas, enfiar dinheiro às pazadas em sectores que andam há demasiado tempo a viver à conta do Estado e das obras que lhes são adjudicadas. É um negócio que tem sido bom para ambas as partes – o Estado fica a pagar durante anos algo que nunca é como era suposto ter sido (as PPP lembram-se?) e quem ganha estes concursos (tantas vezes de forma duvidosa) consegue condições de excepção para ir lucrando uns largos cobres. Pelo meio, todos nós acabamos por pagar a incúria e irresponsabilidade. E depois, lá vem a ameaça da bancarrota, o FMI e as instituições de resgate leonino.

Perguntar-me-ão o que isto tem que ver com o imobiliário. Nada? Não. Infelizmente tudo. Porque muitos dos projectos de hoje vão ser usados por estes grupos, estas empresas, estes sectores, como alavanca financeira para construir outros onde, aí sim, o imobiliário vai ter uma palavra a dizer. E não me venham dizer que isso é o dinheiro a circular, o capitalismo ou as virtudes de mercado.

E qual é o problema? Se fosse tudo sério, em rigor, nenhum. O problema é que andamos há muito tempo a depender de um Estado que cobra impostos para assegurar, entre outras, as funções essenciais – educação, saúde, redistribuição de riqueza, investimento, etc. – mas que, na prática, suga o contribuinte com taxas e taxinhas cada vez mais elevados para sustentar algo que todos sabemos que é insustentável há décadas. Ou há séculos: O que escreveu Eça no século XIX continua tão ou mais actual agora.

Quem anda por aqui há algum tempo rapidamente percebe que não é a venda do T1 na Amadora que torna o imobiliário um sector apetecível. O que o torna são os negócios de muitos dígitos onde tudo, literalmente tudo, está à venda, desde que seja pago ao preço certo: clínicas e hospitais, centros comerciais, blocos de prédios para escritórios, hotéis, supermercados, hipermercados, terrenos em locais apetecíveis, casas de sonho, you name it.

Fico, por isso, a tremer, quando ouço dizer que deve haver uma aposta no investimento público para estimular a economia, apoios do Governo à internacionalização das empresas, para além do já esgotado argumento de desburocratizar e apostar na inovação (seja lá o que isso for). Karl Marx dizia que a história tende a repetir-se, primeiro como tragédia e depois como farsa. Nós, Portugueses, que temos oito séculos de vida, há muito que já esgotámos este argumento. Já tivemos tragédia, já tivemos farsa. Muitas vezes e de forma repetida.

Para quem sobrevive na iniciativa privada, para quem promove o verdadeiro empreendedorismo – como qualquer empresa ou profissional do sector imobiliário – o que aí vem não augura mesmo nada de bom. É, infelizmente, só e apenas mais um reflexo do Estado a que isto chegou.

Francisco Mota Ferreira

Consultor Parcial Finance