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Opinião

 

Arrendamento em tempo de pandemia – um regime ainda incompleto

7 de abril de 2020

A situação excecional causada pelo COVID-19, a declaração do Estado de Emergência e a limitação da circulação de pessoas daí decorrente impuseram a adoção de medidas excecionais em matéria de arrendamento, visando a estabilidade e a salvaguarda do direito à habitação, mas também a mitigação dos seus efeitos nas empresas cujos estabelecimentos foram forçados a encerrar.

Sem prejuízo do mérito e do vasto alcance das soluções ora adotadas, a verdade é que o legislador não foi preciso e, fruto do voluntarismo e da pressão em legislar contra o tempo, deixou um campo aberto para dúvidas interpretativas, que se não forem sanadas serão objeto de potencial conflitualidade.

Veja-se, desde logo, a suspensão dos efeitos de todo o tipo de formas de cessação contratual, na qual foi também incluída a revogação. Como se sabe, esta não mais não é do que um acordo de cessação do contrato celebrado de livre vontade entre as partes. Deste modo, a referida suspensão só deverá abranger as revogações celebradas antes do Estado de Emergência, mas cujos efeitos se produziram após a sua declaração, uma vez que o mesmo foi celebrado sem que as partes pudessem conhecer ou antecipar as circunstâncias em que tal acordo viria, no futuro, a produzir os seus efeitos.

Depois, o regime excecional nada diz em relação aos encargos e despesas que corram por conta do arrendatário. Ou ainda em relação à situação dos arrendamentos que incluem lugares de estacionamento, em especial aqueles em que claramente se distingue valor da renda respeitante aos lugares de estacionamento. Tais pagamentos seguem a regra de diferimento das rendas ou continuam a vencer-se durante o período de vigência do estado de emergência e durante o primeiro mês subsequente? Não podemos esquecer que a mora do arrendatário, que constitui fundamento de resolução do contrato de arrendamento nos termos do disposto no artigo 1083.º do Código Civil, respeita não apenas à renda, mas também aos encargos e despesas que corram por conta do arrendatário.

Por outro lado, numa medida de grande impacto social, sobretudo para aqueles que se viram numa situação de dificuldade económica, é previsto um apoio financeiro que, uma vez mais, parece cingir-se ao valor da renda, sendo omisso em relação às despesas e encargos do imóvel, ou em relação a outras prestações de serviços do senhorio relativamente ao imóvel, como tantas vezes acontece.

Ainda sobre as medidas de apoio financeiro, verifica-se não existir qualquer tipo de apoio financeiro disponível para proteger a posição do senhorio nos contratos de arrendamento não habitacionais, durante o período em que vigore o Estado de Emergência e no primeiro mês subsequente. Enquanto as medidas aplicáveis aos contratos de arrendamento habitacionais permitem que o senhorio possa recorrer diretamente ao apoio financeiro do IHRU, quando o seu arrendatário não o faça, no caso dos arrendamentos não habitacionais, o senhorio ficará obrigado suportar o encargo do diferimento do pagamento das rendas, sem qualquer mecanismo de salvaguarda para a quebra do rendimento daí decorrente.

Uma última nota sobre a extensão, embora limitada, do regime aos contratos celebrados por entidades públicas, não impondo a estas a obrigação de aceitar o diferimento do pagamento de rendas por arrendatários que se encontrem numa situação de quebra de rendimentos. Esta é uma diferença substancial, que deixa os arrendatários incompreensivelmente à mercê da disponibilidade e discricionariedade daquelas entidades.

À semelhança do que tem acontecido com outros regimes excecionais aprovados no contexto da crise pandémica que vivemos, será desejável a clarificação, pelo legislador, de questões como as anunciadas acima, as quais serão certamente suscitadas pelos senhorios e pelos arrendatários.

Ana Luísa de Oliveira

Advogada Pinto Ribeiro Advogados

* Texto escrito com o novo acordo ortográfico