Na dúvida, compra-se terra
Há uma história que se conta entre investidores que reza assim: quando estes não sabem bem onde investir o seu dinheiro, uma aposta sempre segura é na compra de terrenos porque, no final de contas, Deus não vai criar mais terra.
Ironias e crenças à parte, sempre me fez alguma confusão a discricionariedade com que se avaliam os terrenos e como estes, em função de PDM´s ou necessidades várias (ou outras coisas não tão claras) mudam a sua natureza e passam de rústico a urbanizável e deste para urbanos. Ou o seu inverso.
Isso daria, seguramente, uma tese de mestrado, mas não quis deixar de fazer esta introdução para valorizar uma medida deste Governo que apareceu por estes dias no jornal e que dá conta que o Executivo de Luís Montenegro quer disponibilizar terrenos do Estado às Autarquias para que estas possam contruir habitação acessível a custos controlados.
Se da intenção se passar à prática (e a se a coisa for bem-feita e sem asneiras), esta medida tem já o meu aplauso quando, como se sabe, tantas vezes os Governos e as Autarquias gerem o património sob sua responsabilidade com alguma incúria e desleixo.
Claro que, mesmo assim, será necessário acautelar alguns passos para que, o que aparenta ser uma boa medida, não acabe por cair ou no esquecimento ou nas malhas da burocracia. Na base desta iniciativa está uma tentativa de aliviar a crise habitacional que se vive em Portugal e assegurar que mais pessoas possam ter acesso a uma casa a preços compatíveis com a sua realidade económica. Quem anda atento aos leilões/concursos de atribuição de casas pelas Autarquias não deixa sempre de ficar surpreendido: pela quantidade de pessoas que se candidatam e pela oferta exígua que é disponibilizada em face das candidaturas presentes.
Mas a cedência de terrenos por parte do Estado é apenas a ponta do icebergue. Todos nós sabemos que as Autarquias são donas de um imenso património edificado, tantas vezes em ruína e muitas vezes sem sequer que se saiba a quem pertence o quê.
Ceder terrenos para construção tem tudo para ser uma boa medida, porque pode, por exemplo, contribuir para uma redução da pressão sobre o mercado imobiliário especialmente em áreas urbanas onde o custo da habitação tem vindo a aumentar de forma desproporcional em relação aos rendimentos das famílias. Mas, com isto, as Autarquias podem vir a agravar um problema já existente, uma vez que as futuras casas que sejam construídas ao abrigo deste benefício deverão entrar no mercado a um preço mais competitivo, forçando a uma descida nos restantes preços e ofertas o que, num mundo ideal, levaria a uma estabilização dos preços dos imóveis.
E depois, há ainda a questão prática à volta disto. Quem constrói? As Autarquias? Ou entregam esta construção aos privados? Ou serão criadas sociedades entre o Estado, Autarquias e Privados para que este projeto veja a luz do dia? E, entre os privados, quem serão os promotores que estão dispostos a arriscar enveredar por esta aposta e este caminho? Os mesmos de sempre, que estão habituados a sentarem-se à mesa dos negócios com os Governos? Ou a medida alarga-se a todos, com a possibilidade de, em concurso, qualquer empresa ou consórcio possa tentar a sua sorte?
Volto ao início. Acho que, globalmente, esta é uma boa ideia. Mas, neste momento, há demasiadas interrogações e dúvidas que tornam esta uma aposta arriscada. O seu sucesso vai depender da forma como será implementada e das sinergias criadas entre o público e privado, de forma a garantir que o impacto no mercado imobiliário seja o mais equilibrado possível.
Francisco Mota Ferreira
francisco.mota.ferreira@gmail.com
Coluna semanal à segunda-feira. Autor dos livros “O Mundo Imobiliário” (2021), “Sobreviver no Imobiliário” (2022) e “Crónicas do Universo Imobiliário” (2023) (Editora Caleidoscópio)
*Texto escrito com novo Acordo Ortográfico