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Castelo de Abrantes: ‘agente activo’ da identidade da cidade

27 de janeiro de 2017

Coordenada pela arquitecta Laura Bacete Cebrián, a equipa ganhadora do Concurso Internacional de Ideias Castelo de Abrantes - promovido pela autarquia da cidade e pela Ordem dos Arquitectos – Secção Regional Sul  - fala em exclusivo ao Diário Imobiliário.

Vai ter lugar no dia 30 de Janeiro, segunda-feira, pelas 18h, na Igreja de Santa Maria do Castelo em Abrantes, a cerimónia de entrega de prémios e exposição dos trabalhos concorrentes ao Concurso Internacional de Ideias Castelo de Abrantes, que contou com a assessoria da Ordem dos Arquitectos – Secção Regional Sul.

Das 12 propostas apresentadas ao Concurso promovido pelo Município de Abrantes - que tinha como objectivo a requalificação e valorização do Castelo de Abrantes através da criação de programas para fins lúdicos, culturais e turísticos - saiu vitoriosa a proposta coordenada pela arquitecta Laura Bacete Cebrián, membro do Colégio Oficial de Arquitectos de Madrid.

O “Diário Imobiliário” quis conhecer melhor a proposta, a arquitecta Laura Bacete Cebrián e o grupo de trabalho que esteve na sua génese e que ela coordenou.

 

Como enfrentaram o "desafio" da reabilitação do velho castelo e que princípios fundamentais sustentam a vossa proposta?

Um dos pontos de encontro da nossa equipa é precisamente o modo como entendemos a reabilitação dos espaços urbanos, a partir do conhecimento e análise do contexto económico, social e cultural associado a esse espaço e do respeito por ele, entendendo que se tratam de lugares activos, vivos e de uso.

Por outro lado, acreditamos que é essencial ter claro, desde o início do desenvolvimento do projeto, quais são os objectivos a serem alcançados pela intervenção urbana. Neste caso, propusemos três objectivos que não deveríamos perder de vista: ligar o Castelo de Abrantes à cidade, melhorar as comunicações internas entre os diferentes níveis do conjunto histórico e reactivar o lugar tornando-o um espaço activo e de referência da cidade e dos seus habitantes.

Quando se aborda um projecto de reabilitação de espaços históricos surgem inevitavelmente reflexões e debates sobre conceitos como a inovação, a obsolescência ou a contemporaneidade. Na nossa perspectiva, a ideia de inovação não está associada ao desmantelamento do património histórico da cidade, mas antes que nele se deve apoiar. Acreditamos que a cidade deve ser repensada e analisada para prestar apoio às actividades que se estão a gerar em torno do conceito de inovação e também ter a capacidade de mutação para acomodar as actividades futuras, sem perder de vista a necessidade de preservar o património artístico e cultural cidade, que requer sempre tratamento prioritário.

Esta reflexão levou-nos a desenvolver a ideia de criar uma série de cenários que se inserem num pano de fundo global, mas que podem funcionar de forma autónoma. A flexibilidade gerada responde a duas premissas: acolher estas actividades, que estão ocorrendo constantemente em torno do conceito de inovação, e fomentar um processo participativo em que os cidadãos de Abrantes adquirissem protagonismo na reabilitação.

Às vezes, quando se fala de processos participativos e de projectos abertos, em que uma parte dos mesmos depende de uma discussão posterior, pode-se gerar a falsa ideia de que eles nunca virão a ser concretizados, mas são cada mais os exemplos que demostram o contrário. E é precisamente aqui onde nós pensamos que o papel do arquitecto é fundamental, porque ele deve elaborar uma proposta viável que torne o projeto possível. Acreditamos que o arquitecto deve projetar um suporte suficientemente equipado e flexível que possa acomodar aquelas propostas de uso que os cidadãos decidam ou proponham.

Outra das principais propostas do projecto, que tem relação com a nova implantação de usos, é a converter o Castelo de Abrantes num agente activo dentro da identidade da cidade. Após uma investigação da vida cultural da cidade, apercebemo-nos que Abrantes tinha uma agenda de actividades com grande potencial mas que, no entanto, não eram visíveis na configuração urbana. O projecto inclui como proposta de reactivação do complexo histórico a sua conversão num espaço que assimile uma reflexão de cada evento ou actividade que ocorra em Abrantes e que sirva de suporte para outros novos eventos, convertendo-o num foco de actividade que represente a identidade da cidade.

Isso leva-nos ao último ponto que desempenhou um papel fundamental no desenvolvimento do projecto: o ‘skatepark’ que fica defronte do castelo. Nesse espaço, que consideramos de fundamental importância uma vez que é o ponto de contacto entre a cidade e o local, decidimos projectar uma praça que funcionasse como transição entre a cidade e o castelo, e como um espaço de encontro entre gerações, com um mobiliário urbano removível para que possa acomodar vários eventos ao longo do ano (mercados, feiras, concertos, festas, etc.).

 

A equipa que coordenou teve uma experiência anterior na reabilitação de edifícios ou espaços históricos?

Todos os membros da equipa realizaram teses sobre a requalificação de espaços urbanos, pelo que todos nós aprofundámos reflexão sobre o futuro dos distintos espaços que compõem a cidade e sobre que papel devem eles jogar no seu desenvolvimento.

Além disso, alguns de nós participámos em concursos e projectos relacionados com a reabilitação de espaços históricos, embora não todos os membros da equipa.

Um deles é a Reabilitação do Palacio del Temple de Valência, um conjunto neoclássico do Séc. XVIII, que está a ser adaptado para albergar a delegação do Governo da Comunidade Valenciana. Em colaboração com o Estudio M F Arquitectos está-se a trabalhar na execução do projeto de reabilitação, assim como colaboramos na gestão da obra. O projecto envolve a recuperação da estrutura original de madeira e de paredes em tijolo e o rearranjo da aparência original do edifício. Durante as escavações foram encontrados restos da muralha árabe da cidade, tendo sido criada uma rota, um percurso, de exposição.

Juntamente com o Estudio M F Arquitectos também se está colaborando na Reabilitação do Depósito Aduaneiro de Silla e nas obras de remodelação do Pavilhão de Espanha da Expo de Saragoza (2008).

Outro, é o projecto realizado com o Taller Internacional de Arquitectura y Urbanismo Tradicionales para a elaboração de propostas de reabilitação da Praça da Cebada em Madrid. A proposta feita neste ‘workshop’ pressupõe a reabilitação de um espaço dentro da cidade consolidada a partir de uma visão de respeito absoluto da identidade do lugar e do compromisso com a preservação das tradições que definem esta identidade. A forma de projectar de cidade visa enriquecê-la social, espacial, económica e culturalmente.

Finalmente, cabe mencionar a participação na equipa docente da cadeira de Acessibilidade em conjuntos Urbanos da Escola de Arquitectura de Alcalá de Henares na proposta de intervenção na cidade. A base deste projecto é a ideia do direito à cidade, combinado com a intervenção num centro histórico, como é o caso da cidade de Alcalá de Henares.

 

De que forma o vosso projecto poderá “mudar” a cidade de Abrantes e a vida quotidiana dos seus habitantes?

A nossa abordagem baseia-se em incluir como actores do projecto os habitantes da cidade. Em geral, os projectos de escala territorial precisam de um grau de aceitação e um muito alto consenso entre os cidadãos para serem úteis.

Portanto, pareceu-nos lógico propor um projecto aberto, no qual o nosso papel como arquitectos fosse ver as diferentes potencialidades dos espaços e colocar em jogo uma série de abordagens, mas em nenhum caso impor soluções fechadas. Este projeto não pode ser entendido sem a participação dos moradores de Abrantes.

Ao pesquisarmos a vida cultural e os vários eventos que ocorriam na cidade, descobrimos que havia uma desconexão entre o número de actividades oferecidas em Abrantes e o reflexo que estas produziam na sua arquitectura. Estabelecemos como um dos nossos objectivos conseguir visualizar a referida actividade na configuração da cidade, e que melhor forma de o conseguir que produzir um reflexo da mesma em torno do Castelo de Abrantes, ponto de referência e protagonista na imagem da cidade. Propomos ainda que o Castelo deixe de ser unicamente uma imagem de referência e se torne um agente activo dentro da configuração da identidade de Abrantes.

Assim, a proposta vai para lá dos elementos puramente arquitectónicos que projectamos, adquirindo uma outra dimensão relacionada com a gestão do conjunto histórico e das actividades que nele decorrerão. O projecto é concebido como uma ferramenta para a gestão de espaços públicos relacionados com o centro histórico da cidade.

 

O facto de não serem "abrantinos" ou portugueses, mas cidadãos do Estado espanhol, condicionou-os ou colocou-lhes problemas específicos de superar?

Neste caso, o facto de ser "de fora" levou-nos a trabalhar ainda com maior respeito, se isso é possível. A nossa primeira decisão foi visitar a cidade de maneira a que pudéssemos entender o espaço em que íamos intervir.

Embora, claro, enquanto ‘atelier’ tenhamos ideias que nos movem na hora de conceber um projecto e que condicionam a nossa arquitectura, era muito importante para nós não actuar como entidade exterior e alheia à vida dos cidadãos. Por isso considerámos fundamental comparar as nossas ideias com a experiência de ir ao local e ver se nossas posições eram ou não válidas.

Para fazer uma proposta objectiva, que atendesse às necessidades reais, dedicámos muito do nosso tempo que passámos em Abrantes, sentados, apenas observando o que é que acontecia em cada espaço da cidade.

Foi muito gratificante encontrar intervenções de arte urbana, e descobrir que a cidade tem um programa cultural e artístico muito atractivo e com um grande potencial.

Sem dúvida, este foi o pano de fundo que acompanhou o processo de criação e, em grande medida, a motivação que nos moveu durante o desenvolvimento do projecto.

 

Espanha conta com um património de castelos impressionante. Que avaliação fazem da conservação e reabilitação desse património. Gostariam de referir alguns casos exemplares nesta matéria...?

Espanha tem de facto um grande património castelar e nos últimos anos realizaram-se reabilitações em alguns deles. A verdade é que estes novos projectos de reabilitação têm aspectos muito interessantes para nós, no entanto também discordamos sobre muitos deles. Em qualquer caso, é muito interessante ver todas as abordagens que estão sendo consideradas quando se enfrenta o desafio de dar novos usos a conjuntos  históricos em que o seu uso original já não é mais possível.

Se fosse para falar de um projecto exemplar de reabilitação de um castelo teríamos que citar o do arquitecto Gonçalo Byrne no Castelo de Trancoso. Achamos muito interessante a abordagem do projecto através de uma série de intervenções específicas que, por sua vez, se entroncam numa ideia global.

Duas outras intervenções em cenários históricos que chamaram o nosso interesse são as Escadas de acesso ao casco histórico de Toledo dos arquitectos Elías Torres e José Antonio Martínez Lapeña e reabilitação da Muralha Nazari, em Granada, [última dinastia muçulmana que dominou o Reino de Granada de 1238 até 2 de Janeiro de 1492] do arquitecto Antonio Jiménez Torrecillas. Tratam-se de duas intervenções muito diferentes e, no entanto, são ambas notáveis.

No primeiro caso, a intervenção propõe um elemento disjuntor mas que é perfeitamente integrado no conjunto. Do nosso ponto de vista, a coisa mais interessante é que com a intervenção de uma única operação pontual todo o centro histórico da cidade foi melhorado, facilitando a acessibilidade aos pedestres e libertando as ruas de veículos particulares. Quanto à reabilitação da muralha Nazari, destacamos a sua subtileza e a capacidade que teve o arquitecto em preservar a paisagem original, ao mesmo tempo que introduzia uma arquitectura com uma linguagem totalmente contemporânea.