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Opinião

 

Regime de prevenção e combate à atividade financeira não autorizada e proteção dos consumidores: uma lei longe de ser perfeita

17 de fevereiro de 2022

Foi publicada, em Diário da República, a Lei n.º 78/2021, de 24 de novembro, que estabelece o regime de prevenção e combate à atividade financeira não autorizada e proteção dos consumidores, diploma esse, que entrou em vigor em relação a alguns preceitos legais no dia 1 de janeiro, quanto ao art.º 4º do referido Diploma, este, apenas entrará em vigor no dia 1 de março do presente ano.

Com especial relevância para o Mercado Imobiliário e, atendendo aos números 1 e 5 do referido artigo 4.º da Lei, a partir do dia 1 de março de 2022, os profissionais devem comunicar eletronicamente ao Banco de Portugal, a informação sobre as escrituras públicas, documentos particulares autenticados ou documentos com assinatura reconhecida pelos próprios, quando tenham intervenção em atos que, pela sua natureza, estejam relacionados com:

- Contratos de mútuo ou declarações de assunção ou confissão de dívida;

- Contratos de locação financeira;

- Contratos de locação financeira restitutiva;

- Contratos de compra e venda de imóveis associados a contrato de arrendamento ao vendedor ou de transmissão da propriedade ao primitivo alienante;

- Contratos de compra e venda de bens imóveis que não envolvam a concessão de mútuo por entidades habilitadas a desenvolver a atividade creditícia, sempre que o comprador já tenha sido vendedor do mesmo bem, ou esteja previsto o arrendamento ou usufruto do bem imóvel, ou esteja prevista a opção de recompra do bem pelo vendedor.

Cumpre-me referir desde já, em minha opinião, que o presente diploma legal deixa de fora outras áreas problemáticas no que toca à corrupção, vindo essencialmente, e cada vez mais, através de nós Advogados policiar atividades do próprio cidadão, o que se considera em contradição com a Independência e o grau de Confiança que o Cliente deposita em nós, para além do Sigilo que se nos impõe. É esta também a  imagem com que o Investidor, quer português, quer estrangeiro fica do nosso país, que tendo por principal foco e consideração a atual e contínua expansão do mercado Imobiliário, poderá a breve trecho desincentivar quem pretende investir, não só pelos motivos que podem induzir à perda de confiança nos profissionais, mas também pela burocracia e pelo desconhecimento de todo este novo procedimento, o que, consequentemente, terá impacto negativo, quer ao nível do sector Imobiliário, quer ao nível do sector Económico.

Do que nos é dado a conhecer, a tendência internacional é cada vez mais no sentido de simplificar todos estes procedimentos, pelo que não se compreende qual o objetivo do legislador português ao não querer acompanhar essa evolução e, pelo contrário, gerar a descredibilização das instituições.

Por outro lado, relativamente aos contratos de mútuo civil, vem a Lei estabelecer que quando os mesmos tenham valor superior a 2 mil e quinhentos euros a entrega dos montantes mutuados é, obrigatoriamente, realizada através de cheque ou transferência bancária, devendo ainda constar no respetivo documento que titula o ato, a menção da data e do instrumento bancário utilizado e, bem assim, as informações necessárias à sua rastreabilidade documental ou informática. Mas, então, como se compagina com este preceito a prerrogativa legal que estipula a proibição de pagar ou receber em numerário em transações que envolvam montantes iguais ou superiores a 3 mil euros?

De salientar que o trabalho de Fiscalização de eventuais Fraudes com empréstimos, na minha opinião, compete à Justiça, nomeadamente à Polícia Judiciária, pelo que, refira-se, a presente Lei em muitos dos seus pressupostos detém uma visão que pode, a par com outras perceções que vêm surgindo no mercado imobiliário, gerar desconfianças nos consumidores, e, por conseguinte, gerar impactos negativos no Mercado Imobiliário, ao contrário do que certamente o legislador pretendeu.

Cumpre, por fim, questionar qual o destino da informação junto do Banco de Portugal, pois que, no âmbito das suas competências contraordenacionais, o BdP pode utilizar a informação constante da referida base de dados apenas para efeitos de prevenção, combate e sancionamento da atividade financeira não autorizada, em suma, parece que esta informação visa primordialmente proteger alguns mercados. Pois que, atuar judicialmente contra eventuais atividades ilícitas compete aos órgãos de Polícia Criminal em Portugal e não ao Banco de Portugal e, muito menos a nós, Advogados, considerando os deveres que, a uma das mais nobres profissões, se impõem.

Clélia Brás

Advogada do departamento de Imobiliário e sócia da PRA

*Texto escrito com novo Acordo Ortográfico