CONSTRUÍMOS
NOTÍCIA
Opinião

 

Os promotores imobiliários

23 de agosto de 2021

Tenho já escrito e defendido, em diversos fóruns, que a ausência de regras e regulação, por um lado, e a falta de fiscalização, por outro, tem tornado este sector amplamente dividido entre todos os que, directa ou indirectamente, lidam com o imobiliário. E esta divisão ocorre também porque há uma manifesta incapacidade de cada um de nós se colocar no lugar do outro e compreender os argumentos em cada um dos lados da barricada. Hoje, é algo que tentarei fazer, colocando-me na pele de um promotor imobiliário.

De forma recorrente, os promotores imobiliários são acusados de imporem condições draconianas, de não privilegiarem a entrega e divulgação em exclusivo a um consultor e/ou uma agência e, crime de lesa-Pátria, pedirem comissões que, no melhor cenário, são apenas na ordem dos 3%. Em consequência destes (e de outros dados, que podem ser também objecto da divergência entre ambas as partes), consultores e promotores acabam por olhar entre si com alguma desconfiança. Uma suspeita que, por vezes, se estende ao trabalho que foi feito (ou que pode ser feito) por qualquer uma das partes.

Vamos lançar mão do estereótipo: os promotores imobiliários sempre foram considerados os patinhos feios do sector. Ou, para ser mais honesto, os patos bravos do imobiliário. Que apenas gostam de construir da forma mais barata possível, para maximizar o lucro para comprar o Mercedes Benz último modelo, com o qual se exibem para ir ao Banco pedir mais dinheiro para construírem novas selvas urbanas. Mas será que é mesmo assim?

Se esta era uma imagem que se agarrou à malta da construção no passado, nota-se que, felizmente, aos poucos o sector tem dado sinais de alguma vitalidade na mudança de uma mentalidade que se criou. Tal como no mundo dos consultores – que tem também a sua quota parte de gajos pintas, que mancham toda uma actividade – também os promotores terão os chamados patos bravo. Mas, felizmente, o mundo mudou e pelo que me vou apercebendo, o mundo da construção também já não é dominado por estes exemplares.

Para sobreviverem neste mercado amplamente competitivo, os novos promotores imobiliários sabem que a imagem conta e, por isso, pensam uma, duas, três vezes, antes de investir num determinado activo (um terreno ou um prédio devoluto para recuperar, por exemplo). Porque, hoje em dia, já não é suficiente dizer que foram utilizados materiais nobres na construção do imóvel. É preciso mostrar que, de facto foram (nesse aspecto, a Ficha Técnica de Habitação tornou-se uma garantia mútua de que não se está a lidar com “gato por lebre”) e fazer contas. Muitas contas.

Porque, por exemplo, com a compra do prédio devoluto para recuperar ou para construir de raiz, há toda uma panóplia de taxas e taxinhas, de alvarás e de projectos que é preciso assegurar. Há autorizações a conseguir. Há seguros a pagar. Há licenças e custos de construção: água, luz, telecomunicações e outros imponderáveis. Há fiscalizações e segurança (porque há gente que adora ir roubar material à obra). Há custos de financiamento e contratação de trabalhadores que, por sua vez, contratam outros para garantir que a obra não tem mais atrasos. E há que lidar com os custos de construção – preços dos materiais e custo de mão-de-obra - que, nos últimos meses, têm tido um só sentido: a subir.

E, posteriormente, quando por milagre (ou depois de muita dose de paciência) o prédio está aí para venda, é preciso calcular os gastos na promoção e marketing, onde entram (ou podem entrar) as comissões a pagar à agência e ao consultor.

Por fim, sobra a guerra de nervos (ou se, quisermos, a luta contra o tempo), em que o promotor estimou lucros com a venda do activo tendo por base, por exemplo, dois anos. Se os cálculos patinam (ou se há algum factor endógeno ou imponderável que ninguém estava à espera), o promotor vê-se aflito para pagar o empréstimo. E, em última análise, tem de ceder o prédio à Banca, que vai tentar recuperar o investimento entregando o imóvel para que várias imobiliárias o trabalhem a comissões de 3%. Sensivelmente, a mesma percentagem que as agências, no início achavam que era pouco, quando lhes foi entregue pelo promotor e que, agora, se digladiam entre si para ver quem vende primeiro.

Francisco Mota Ferreira

Consultor imobiliário