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E o cliente? Tem sempre razão?

2 de maio de 2022

Apesar de já terem passado várias décadas sobre a profissionalização de qualquer actividade comercial, o facto é que continuamos a viver sob o mantra de “o cliente tem sempre razão”. E, a cobro disto, permite-se (ou acaba por ser tolerado) que se tirem a razão a terceiros ou, no limite, se desrespeite a razão de outros, cujo argumento é tão ou mais válido do que aquele que se apresenta como nosso cliente.

No que ao imobiliário diz respeito, assistimos a situações da nossa vida que, numa circunstância normal, mandávamos terceiros às urtigas por muito menos. O problema é que, lá está, como fomos educados a pensar que o” cliente tem sempre razão”, calamos, engolimos em seco, cerramos os pulsos e dizemos palavrões para dentro na esperança de que, no final, a nossa estratégia compense e o cliente acabe por fazer negócio e dar-nos a recompensa devida pelo nosso trabalho e pela curvatura, cada vez mais acentuada, da nossa espinha dorsal. Mas será que é assim um crime de tão lesa-Pátria mostrar, naturalmente de forma educada, que o cliente não tem sempre razão?

Das várias experiências que fui coleccionando desde que lido com este mundo imobiliário – minhas e de terceiros – acho, cada vez mais, que não é bem assim. E, por isso, cabe, a todos e a cada um de nós, mostrar que pelo facto de o cliente ter algo que procuramos – dinheiro para comprar um imóvel ou o activo que o nosso cliente procura – não lhe dá o direito de agir a seu bel-prazer e impor a sua razão muito própria.

Com isto não quero, naturalmente, dizer que não devemos procurar consensos ou ter a elasticidade para adaptarmos agendas ou personalidades. Algo que é tão ou mais importante quando conseguimos o pleno e estamos a trabalhar em conjunto com o cliente comprador e com quem tem o activo para venda. E mesmo que tenhamos a noção de que só vamos receber de um dos lados, é importante fazer o necessário malabarismo entre todas as partes para que ninguém abandone a mesa de negociações e que o activo em questão possa ser comprado por quem o quer adquirir e vendido por quem o quer vender. Agradando-se a todas as partes e recebendo a comissão devida pelo nosso esforço.

Trabalhando em pleno, por maioria de razão, não podemos estar a privilegiar um ou outro lado da barricada, porque, embora só recebamos de uma parte, estamos, no fundo, a representar as duas e a tentar que o negócio corra bem para todos. Dir-me-ão que tal é impossível, porque, no final do dia vamos lutar por quem nos paga. Nada mais errado. No final do dia, temos de lutar por todos, porque quem nos paga só terá dinheiro para o fazer se a outra parte não abandonar o “jogo” e é, também por isso, tão ou mais importante.

Dito isto, não concebo que se permitam desrespeitos e atropelos só porque são clientes e como tal têm sempre razão. No caso do cliente vendedor, não deve ser como ele quer só porque tem o activo para venda. Até porque, a partir do momento em que nos contactam e pedem ajuda a um profissional, o que se espera é que este seja respeitado: no seu trabalho, na sua opinião e o no aporte que este pode trazer para a conclusão do negócio. Não me interpretem mal, acho que qualquer particular pode, se assim o entender, tentar vender o seu activo sem a ajuda de um profissional:  não sou fundamentalista ao ponto de defender que qualquer transação imobiliária deve ser mediada por uma agência ou um consultor (embora ache, por tudo o que já vi neste mundo imobiliário, que essa opção me faz todo o sentido). Mas considero que, a partir do momento que o fazem, devem respeitar o profissionalismo de quem contrataram.

De igual modo, não podemos estar a achar que, só porque o cliente comprador tem dinheiro para investir ou comprar algo que até nos disponibilizamos a procurar, que isso o torna dono de nós, da nossa agenda e da nossa personalidade. E que, no limite, até temos de lhe agradecer porque este escolheu trabalhar connosco ao invés de outros.

Da minha experiência (e do que me foram contando alguns consultores) eu diria que tudo passa por uma questão de dignidade, bom senso e de respeito. De todas as partes. Falhando alguma é meio caminho andado para que tenhamos andado a perder tempo com algo (ou alguém) a quem nunca deveríamos ter dedicado sequer um minuto da nossa atenção.

Francisco Mota Ferreira

Trabalha com Fundos de Private Equity e Investidores e escreve semanalmente no Diário Imobiliário sobre o sector. Os seus artigos deram origem ao livro “O Mundo Imobiliário” (Editora Caleidoscópio).