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OE 2021: Uma forma rebuscada de ir buscar dinheiro sempre à mesma 'árvore das patacas', o imobiliário

8 de janeiro de 2021

Hugo Santos Ferreira, vice presidente da APPII - Associação Portuguesa dos Promotores e Investidores Imobiliários, assegura que o mercado imobiliário está a responder de forma muito diferente a esta crise, comparando com a crise financeira anterior e também com muita resiliência dos preços.

Acredita que este ano será marcado pelo combate à pandemia com a vacina e que isso pode dar a resposta a uma recuperação económica. Também o clima de baixas taxas de juro que vivemos e crescente liquidez internacional (com os bancos centrais europeus e a nível mundial a injectar todos os dias liquidez na economia, com vista a evitar um risco de recessão económica) continuarão a estimular o sector imobiliário, continuando a fazer dele o chamado “Imobiliário REFÚGIO”.

O que se pode esperar para o mercado imobiliário em 2021?

Neste momento, diríamos que com vacina e em termos de “fundamentais” do mercado (as suas bases) tudo indica que podemos esperar um ano de recuperação da Pandemia.

Diria que as perspectivas em termos de mercado e consequentemente de preços se mantêm inalteradas. Atentemos nos números recentemente conhecidos (últimos dados consolidados referentes a 2020):

O Eurostat (departamento de estatísticas europeu) refere que os preços da habitação em Portugal no 2.º trimestre de 2020 estão a aumentar acima da média europeia (7,8% versus 5%), colocando Portugal na 5.ª posição entre os que registam os maiores crescimentos.

Mesmo a nível nacional, a Confidencial Imobiliário refere que os preços do residencial se mostram sempre “globalmente estáveis” (excepto claro quanto ao AL e a alguns apartamentos turísticos).

O que houve sim foi uma descida ao nível da procura (entre o 1.ºT S/Pandemia, com o 2.ºT C/Pandemia), mas já muito recuperada em Agosto no 3.ºT.

Aliás, se comparármos os mesmos segmentos de mercado (segmento a segmento), eles revelam preços semelhantes e têm-se mantido estáveis, logo não há descida..

O mercado imobiliário está a responder de forma muito diferente a esta crise (sanitária com efeitos económicos), comparando com a crise financeira anterior e também com muita resiliência dos preços: houve um impacto nos meses de Abril e Maio, mas com recuperação estável entre Junho e Setembro. E diria mais, Portugal não é caso raro. Na Alemanha por exemplo está a acontecer igual.

E porque perspectivamos um futuro cautelosamente optimista em relação ao mercado imobiliário e aos preços, mesmo em tempos de Pandemia?

Primeiro, porque esperamos que a disseminação da vacina durante o ano de 2021 vá trazer francas melhoras à economia mundial;

E depois porque o clima de baixas taxas de juro que vivemos e crescente liquidez internacional (com os bancos centrais europeus e a nível mundial a injectar todos os dias liquidez na economia, com vista a evitar um risco de recessão económica) continuarão a estimular o sector imobiliário, continuando a fazer dele o chamado “Imobiliário REFÚGIO”, isto é o refúgio dos investidores internacionais a uma escala global, que aliás promete manter-se como principal alternativa às taxas de juro negativas e ao risco do mercado de capitais tradicional e ao risco financeiro.

 E no geral, julgo que no geral todo o litoral manter-se-á muito interessante para investir, mas todos gostaríamos de ampliar o investimento a todo o território nacional, incluindo ao interior. Porém, se pretende o Estado incentivar o investimento no interior do país ou pelo menos fora dos centros urbanos, a medida certa não deve nunca ser a de matar o investimento no litoral, em Lisboa ou Porto, mas sim a de beneficiar com medidas de discriminação positiva aquelas aquisições e investimento nestas outras localizações alternativas. As câmaras municipais do nosso interior devem tornar-se friendly dos investidores, do turismo e dos novos residentes. Devem criar, nomeadamente, benefícios fiscais e redução de impostos a todos aqueles que decidam arriscar e investir, ou visitar e mesmo viver ou trabalhar fora dos centros urbanos, com especial destaque para o interior do país, seja ao nível da isenção de impostos ao nível do rendimento, mas também não esquecer os impostos sobre a propriedade, como o IMI, AIMI e IMT. Estas medidas sim serão decisivas na hora de escolher investir no interior do país, em vez de o fazerem nos centros urbanos.  É importante não esquecer que investir fora dos centros urbanos ou no interior do país, do ponto de vista de quem investe, acarreta um risco muito elevado, risco esse que deve ser compensado ou mitigado com uma redução dos custos inerentes, nomeadamente impostos e burocracia.

Quais os desafios que se vão colocar ao sector para este ano?

Tudo dependerá das políticas públicas que vierem a ser seguidas. O texto do Orçamento de Estado para 2021 não foi positivo ao sector imobiliário, traduzindo-se em mais um aumento da carga fiscal e em formas mais ou menos rebuscadas de ir buscar dinheiro sempre à mesma “árvore das patacas”, o imobiliário. O investimento imobiliário é hoje um dos mais cruciais motores de retoma da economia e não deve ser o alvo fácil do aumento da carga fiscal.

Sucede que, olhando para o exemplo de anos e crises anteriores, Portugal assistiu nos últimos anos sempre a um denominador comum: a solução e a forma mais fácil de resolver os problemas da recuperação do país passou sempre por um aumento brutal da carga fiscal sobre o imobiliário. Todos nos lembramos da criação do imposto sobre as mais valias, do fim das isenções de impostos nos fundos de investimento imobiliário, do imposto sobre fortunas e para imóveis acima de um milhão de euros, da própria criação do AIMI sobre a habitação, entre muitos outros. E agora o que temos em 2020? um novo aumento de impostos sobre a propriedade, sobre os proprietários e os senhorios. Tinha sido importante que este Orçamento do Estado, a bem do país e da recuperação económica, não tivesse “vitimas” e principalmente não podia ter tido as mesmas “vítimas” de sempre.

Que medidas devem ser tomadas em 2021?

A resposta a esta crise tem de ser diferente: deve fomentar, além do investimento público (que deve ser complementar e servir de indutor ao investimento privado), também a manutenção do envolvimento dos privados, tudo devendo fazer-se para que se possa manter um ciclo de investimento por parte das empresas deste sector. Só assim estaremos a contribuir para manter a actividade das nossas empresas, primeiro sustentando uma fileira de milhares de postos de trabalho, e depois para aumentar a oferta de habitação e com isso nivelar os preços.

O Orçamento que necessitávamos era aquele que resolvesse os problemas da falta de oferta habitacional e do inexistente mercado de arrendamento de longa duração em Portugal. Nunca como este ano, que é de Pandemia e recessão económica, podemos aceitar ter políticas públicas em matéria de habitação com motivações ideológicas, que não respondam de forma efectiva ao actual problema da necessidade de colocação de mais oferta habitacional.

O que o sector espera são estratégias globais e integradas dos nossos governantes que visem, a par da criação de uma importante oferta pública, incentivar também a necessária promoção privada de mais habitação, especialmente para a classe média, para os jovens e para o arrendamento.

Especialmente no que toca ao arrendamento, que tanto nos preocupa, diga-se, desde logo, que ele é constituído por micro, pequenos e médios proprietários, que não conseguem sozinhos criar um verdadeiro, pujante e dinâmico mercado de arrendamento de longa duração, que consiga responder à enorme procura existente.  Por outro lado, temos conhecimento de vários players internacionais de grande monta que pretendem aqui realizar projectos de arrendamento de longa duração, com muita escala e a criação de milhares de fogo por projecto. Aliás o designado mercado de “build to rent” é uma das maiores dinâmicas de investimento da Europa e que floresce lá fora, merecendo a atenção de investidores, fundos e fundos de pensões um pouco por todo o Mundo.

Acontece que estes investidores até “olham” para Portugal (já que temos a procura), mas infelizmente o nosso país não dispõe de um quadro legislativo estável, credível e interessante, que lhes permita avançar.

Os investidores não vêem no quadro de medidas apresentadas, uma medida que lhes permita ter a necessária confiança ou que os motive a avançar com novos projectos de arrendamento. Na verdade, do conjunto de medida apresentada, diríamos que apenas tenderão a “encolher” o já “encolhido” mercado do arrendamento, sendo evidente que, com o actual status quo legislativo, os investidores não conseguem investir nesta actividade, que continua a ser de altíssimo risco.

Lançamos um apelo à credibilização e dinamização do mercado de arrendamento de longa duração, sob três prismas:

Estabilizar o regime jurídico, que na última década foi alterado mais de 10 vezes, equivalente a mais de uma vez por ano (note-se que a promoção de acivos para arrendamento implica projectos a a 15 ou 20 anos pelo que é impossível montar planos neste segmento se a lei que os tutela é alterada numa base anual);

Estabelecer um acordo de regime para a estabilização do sistema fiscal, numa lógica de longo prazo, criando medidas que gerem confiança no investimento a largo prazo e dando as condições necessárias para que os investidores possam desenvolver os seus projectos;

Arrepiar caminho de um modelo de confisco crescente sobre o património imobiliário português, mas também de um modelo de exagerada e crescente carga fiscal sobre os proprietários e ainda de um modelo de desculpabilização e desresponsabilização do inquilino incumpridor.

Por outro lado, da parte dos privados a aposta no segmento habitacional para a classe média já existe, mas infelizmente as nossas empresas não conseguem realizar, com todos os custos de contexto que têm de enfrentar na sua actividade, projectos acessíveis aos portugueses e não vemos infelizmente do lado do Estado uma qualquer medida de incentivo aos privados para ajudar a resolver este problema. A oferta publica que vem sendo anunciada não será suficiente para responder à enorme procura existente de habitação.

Quando dizemos que os custos de contexto inviabilizam o arranque de projectos imobiliários acessíveis, o que queremos dizer é tão só isto: basta fazer uma conta de somar para se perceber que, com todas as parcelas que compõem um projeto residencial, é impossível construir habitação para as famílias portuguesas. E que são:

- Falta de mão- de-obra e capacidade instalada;

- Excessivo tempo do licenciamento camarário;

- Instável e imprevisível legislação;

- Aumento crescente da carga fiscal;

- Aumento dos custos de produção, com especial preocupação para o IVA na construção nova à taxa máxima e ainda por cima não dedutível, sendo Portugal caso isolado na Europa.

Um dos passos a ser dado para se criar um verdadeiro mercado da habitação acessível passaria por considerar IVA na construção nova para habitação a uma taxa de 6%, ou pelo menos torná-lo dedutível. O IVA para construção de habitação à taxa máxima não dedutível é uma excepção na Europa, sendo um dos maiores óbices ao avanço de projectos de construção nova para habitação. Esta medida visaria compensar os outros custos de contexto, nomeadamente falta de capacidade instalada e mão-de-obra. É premente viabilizar projectos de habitação que sejam económica e financeiramente viáveis, isto é mitigado de todos estes custos. A construção nova é sinónimo de mais habitações para as famílias portuguesas. Isso reduziria o preço que os portugueses pagam pela sua casa. Em Espanha, paga-se 10% de impostos na compra de casa, em Portugal 30% (totalidade do IVA suportado na construção, mais IMT e Imposto de Selo).

Depois, há que efectivar o encurtamento significativo dos prazos do licenciamento, o que já estamos a trabalhar com as principais câmaras do país. A melhoria dos procedimentos urbanísticos é a prioridade da APPII para 2021 e ainda este ano já começámos a preparar iniciativas para o próximo ano, em conjunto com os municípios, para encurtar prazos e fazer com que os promotores e investidores imobiliários possam fazer parte das estratégias e políticas públicas das cidades, algo que há muito pedimos e que queremos ser uma realidade no próximo ano.

Salientaria ainda que devemos acabar com uma das maiores contradições da nossa política fiscal: o AIMI na habitação. É uma das maiores necessidades do país e os activos e terrenos para fins habitacionais estão sujeitos a uma dupla tributação? Que mensagem se pretende passar a quem nela quer investir? Não se entende porque o uso terciário está isento de AIMI e os activos para habitação não, o que naturalmente provoca uma subida do valor dos imóveis e das rendas. Por outro lado, há que dinamizar um programa de incentivo ao investimento em arrendamento, desaplicando o AIMI dos arrendamentos habitacionais. Também aqui não se entende porque os arrendamentos para habitação são castigados com uma dupla tributação e sobretaxados em AIMI.

http://www.diarioimobiliario.pt/Actualidade/2021-O-ano-da-prova-de-fogo-para-o-imobiliario