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Opinião

Francisco Mota Ferreira

Sempre a subir

4 de março de 2024

Absorvidos que os media estão com a campanha eleitoral e as eleições no horizonte, a notícia passou relativamente discreta por estes dias. Segundo o Relatório da Carta Municipal de Habitação 2023-2032 de Lisboa, o preço das habitações na capital aumentou 128% entre 2011 e 2022. Em paralelo, e devido a esta subida, a taxa de esforço das famílias para conseguirem pagar os custos com a habitação passou de 41% em 2015 para 57% em 2020. Que consequências terá esta subida no mercado imobiliário, nas aspirações dos potenciais compradores e no crescimento de Portugal como um todo? É o que pretendo explorar nas próximas linhas.

No que ao Imobiliário diz respeito, a rápida valorização dos imóveis cria um mercado que, numa primeira fase, é extraordinariamente dinâmico, criando até uma maior competição entre compradores, vendedores e restantes stakeholders. No entanto, e à medida que os preços continuam numa trajetória de subida, a tentação de se cair numa bolha especulativa é igualmente grande, com investidores e particulares a procurar lucrar com a rápida valorização dos imóveis. Algo que, convenhamos, até chega a ser compreensível. Afinal, se o meu vizinho vendeu uma casa igual à minha por 600 mil euros, porque é que eu não posso ter a tentação de fazer o mesmo? - agora os meus amigos consultores imobiliários que me leem ficam arrepiados porque eles sabem bem (e eu também) que duas casas no mesmo prédio podem ter valores completamente distintos…

Mas, à conta destas subidas em carrocel, os preços das casas acabam por ficar inflacionados além do valor real dos imóveis, potencialmente resultando numa correção de mercado no futuro, com consequências que o passado já nos mostrou não serem propriamente famosas.

A subida do preço das casas tem também uma outra consequência, direta, e sentida por todos e cada um dos que ambicionam ter uma casa em Lisboa: para os potenciais compradores, o aumento dos preços das casas na capital torna a compra de uma propriedade mais difícil e, em alguns casos, inacessível. E por muito que esta questão possa ficar resolvida através de um empréstimo bancário, todos nós sabemos das condições que a Banca neste momento tem para a aquisição de casa, o que pode limitar (e muito) encontrar uma casa que se possa enquadrar no orçamento pretendido.

Num mercado ideal e sem grandes (in)correções, a impossibilidade de comprar levaria a que muitas famílias optassem pelo mercado de arrendamento. Ora, tendo em consideração o preço inflacionado das rendas que temos, com montantes que se aproximam e muitas vezes suplantam os valores de pagamento de uma prestação mensal bancária, tal acaba por obrigar a que seja adiada a decisão de viver em Lisboa, optando pelos arredores onde, mesmo assim, os valores acabam por ser mais em conta.

Tudo isto acaba também por ter consequências, indiretas, para o crescimento do País. O aumento dos preços das casas tem implicações no crescimento económico de Portugal, uma vez que a habitação acessível é um componente importante para atrair talentos e investimentos estrangeiros. Eu sei que estamos ainda muito deslumbrados com os nómadas digitais, mas se olharem para os últimos números vê-se que Lisboa já não tem a atratividade que tinha…

Por outro lado, os altos custos de habitação podem dificultar a mobilidade dos trabalhadores, especialmente os mais jovens, impedindo a sua capacidade de se mudar para áreas onde há mais oportunidades de emprego.

Acresce ainda que a crise habitacional pode contribuir para o aumento das desigualdades sociais, havendo cada vez mais a diferenciação entre quem tem a capacidade financeira para poder morar em Lisboa e os “outros” que se veem impossibilitados de o fazer, perdendo oportunidades ou engrossando a lista dos potenciais interessados em morar em habitações construídas ou disponibilizadas pelo Estado ou pela Autarquia, num esforço que se destina a mitigar os efeitos negativos do aumento dos preços das casas.

Há, naturalmente, outras consequências, menos visíveis - como as implicações de cariz social, económico ou cultural a considerar - que acabam também por tornar a questão da Habitação um tema que deveria ser a prioridade maior do próximo Governo que saia das eleições do próximo dia 10.

Francisco Mota Ferreira

francisco.mota.ferreira@gmail.com

Coluna semanal à segunda-feira. Autor dos livros “O Mundo Imobiliário” (2021), “Sobreviver no Imobiliário” (2022) e “Crónicas do Universo Imobiliário” (2023) (Editora Caleidoscópio).

* Texto escrito com novo Acordo Ortográfico