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Opinião

Francisco Mota Ferreira

Quatro anos

18 de março de 2024

Este é o meu artigo de opinião número 200. Confesso-vos que nunca pensei chegar tão longe quando, em pleno confinamento por causa do Covid, em abril de 2020, decidi ocupar o meu tempo e voltar a escrever. Como na altura estava ligado ao imobiliário na sua vertente mais residencial, achei que me fazia sentido, como marketing pessoal, mas também como oportunidade, colocar por escrito o que me ia na alma relativamente ao sector e a algo que, para mim, era ainda tudo muito novo.

Cerca de quatro anos passados, duzentos artigos, três livros publicados e milhões de caracteres escritos, o que posso partilhar aqui convosco? A primeira coisa que me parece evidente é a de que, nestes quatro anos, o imobiliário e a forma como este é encarado mudou.

Ainda me recordo quando no início que me via, por vezes, aflito a encontrar um tema que, para mim fizesse sentido e, para quem me lê, quisesse continuar a fazê-lo na semana seguinte. Porque o imobiliário era assunto de nicho, na altura poucas pessoas escreviam sobre isso, mas também porque não era algo que era, aliás, genericamente bem visto.

Entretanto, algo mudou. O imobiliário teve um boost. De interesse, de marcas e de pessoas. E, de repente, todos nós conhecíamos alguém que vendia casas, arranjava compradores, tinha investidores, trabalhava no mercado ou conhecia o amigo do amigo que estava ligado a isto. Se, por um lado, criou-se notoriedade a uma profissão, isso também trouxe, como sabemos, a generalização das partilhas e dos comboios de colegas, a degradação do sector e o avolumar das críticas de que, quem por aqui anda, é visto como tendencialmente desonesto.

A crise da Habitação e a ausência de respostas eficazes por parte de quem tinha a capacidade de as dar, acabou igualmente por ser um fator que levou a que o Imobiliário passasse a ser também tema das conversas de café -  que, como sabemos, são uma espécie de barômetro sobre os assuntos que estão na berra. Assim, nos últimos anos, para além da bola, de novelas, das revistas e do suposto social, o imobiliário passou a ser também objeto de discussão, com especialistas a nascerem em cada esquina e com todos e cada um a dar a sua opinião e a achar que, já agora, também podiam vender uma casinha ou outra porque tinham o amigo do amigo do irmão que também o fazia. E com sucesso ainda por cima. Um sentimento que se adensava mais quando se percebia que a personagem em causa se enquadrava no estereótipo do mandrião que não saia da cama antes do meio-dia.

Ironias à parte e quatro anos depois o que posso ainda dizer? Que, cada vez mais, sinto que os temas são, por norma, recorrentes. Consultores, marcas e o sector em geral queixa-se ciclicamente do mesmo: que não há honestidade, que não se fazem partilhas, que se enganam os clientes, que são enganados pelos clientes, pelos colegas ou até pelo cão. Que se diz e anunciam sucessos de vendas em tempo recorde, nem sempre reais, mas que há muita coisa que se passa fora do universo do que supostamente é conhecido porque, como diz o ditado, quem não sabe não estraga.

Há ainda muito (eu arriscar-me-ia a dizer imenso) para fazer e por fazer. E todos não seríamos poucos para o fazer. Mas, como tenho ocasião de o afirmar em diversas ocasiões, muitas vezes sinto-me como o maneta a tentar bater palmas. Posso provocar com os meus textos, na esperança de criar uma tendência de como acho que este sector devia funcionar. E até posso receber imensos elogios e críticas ao que vou dizendo por aqui. Porém, sei que há outras motivações e interesses, para que tudo supostamente pareça estar em mudança quando a ideia é a de que tudo permaneça na mesma. Por isso, cabe-nos a nós, nos nossos diferentes papeis, sermos agentes da mudança. Ou tentarmos, pelo menos. É o que tenho feito, todas as semanas, ao longo dos últimos quatro anos.

Francisco Mota Ferreira

francisco.mota.ferreira@gmail.com

Coluna semanal à segunda-feira. Autor dos livros “O Mundo Imobiliário” (2021), “Sobreviver no Imobiliário” (2022) e “Crónicas do Universo Imobiliário” (2023) (Editora Caleidoscópio).

*Texto escrito com novo Acordo Ortográfico