CONSTRUÍMOS
NOTÍCIA
Entrevistas

Bento Aires, director dos programas de Sustentabilidade no Imobiliário da Porto Business School

Precisamos de 50 anos para renovar todos os edifícios para serem sustentáveis

25 de agosto de 2023

A estratégia de longo prazo para a renovação dos edifícios indica que até 2050, faltando 27 anos, todos os edifícios terão de ser renovados. Segundo os censos 2021 possuímos 3.573.415 edifícios de habitação, ao ritmo de 70 mil candidaturas, precisamos de 50 anos. Não vamos lá só com apoios, defende Bento Aires, professor e diretor dos programas de Sustentabilidade no Imobiliário e Facility Management da Porto Business School.

Apesar das dificuldades, o especialista considera que, em Portugal, a evolução é positiva em termos de edifícios de construção sustentável. Segundo um estudo da Oliver Wyman, que avaliou o desempenho ambiental de 29 países, Portugal é o quinto e segundo melhor país do Índice de Transição Verde em termos de Energia e Edifícios, respectivamente. No entanto, No entanto, Bento Aires admite que é imperativo que a indústria da construção consiga, rapidamente, adaptar-se ao mercado emergente da construção sustentável.

Apesar da sensibilização e informação existente sobre a necessidade de tornar a construção em Portugal mais sustentável, existe de facto uma evolução nesta matéria?

Devemos encarar na sustentabilidade a capacidade de pouparmos os recursos das gerações vindouras. E, neste aspecto, o sector da construção/imobiliário tem um importante contributo a dar.

Se olharmos para os indicadores da quantidade de emissões de gases com efeito de estufa, este sector assume um papel crítico uma vez que é responsável pela emissão de cerca de 40% dos mesmos (desde a fase da construção até à operação dos edifícios). Mas este sector tem um grande potencial de redução de emissões destes gases e qualquer estratégia estará condenada ao insucesso se não incluir este sector.

Podemos considerar que, em Portugal, a evolução é positiva em termos de edifícios de construção sustentável. Segundo um estudo da Oliver Wyman, que avaliou o desempenho ambiental de 29 países, Portugal é o quinto e segundo melhor país do Índice de Transição Verde em termos de Energia e Edifícios, respectivamente.

No entanto, é imperativo que a indústria da construção consiga, rapidamente, adaptar-se ao mercado emergente da construção sustentável, e ter presente que, falar de edifícios, não é o mesmo que falar de habitação; e a construção sustentável que procuramos tem de ter em conta esta diferença.

As medidas impostas pela Comissão Europeia são colocadas em prática? Existe fiscalização nesse sentido?

Prefiro não falar de imposições e fiscalização, mas sim da necessidade de massificação de uma cultura de sustentabilidade. Neste sentido, precisamos de capacitar a sociedade nesta matéria, e a montante desta qualificação está a capacitação dos profissionais. Ou seja, temos de executar pelos exemplos com incentivos, sejam eles económicos, fiscais ou políticos que permitam aos vários stakeholders de um projecto imobiliário construir de forma sustentável e de forma holística, e não como um conjunto de acções separadas que no fim do dia se agregam no sentido de termos uma construção sustentável.

As certificações são reais ou apenas bandeiras para promover e vender os projectos?

As certificações ambientais assumem cada vez mais uma maior importância no sector da construção e as mesmas carecem, naturalmente, de enquadramento nos contextos em que se inserem os projectos. Estas têm como principal objectivo o reconhecimento da adopção de medidas sustentáveis desde o projecto, à utilização do edifício, de forma a reduzir o impacto ambiental em todo o ciclo de vida.

Hoje, as certificações mais utilizadas são o LEED, BREAM, WELLS, por exemplo, mas têm uma visão global com base nos países de origem, e o mercado reconhece-as. No entanto, podem-nos dar uma visão enviesada da sua aplicabilidade. Reconheço, nesta área, que o caminho que a União Europeia está a fazer, com base no Green Deal, pode trazer frutos nesta matéria e termos certificações adequadas às realidades locais.

As empresas e promotores imobiliários referem que uma das principais prioridades é realizar projectos sustentáveis. São reais a aplicação desses objectivos por parte dos investidores?

Os promotores e os principais stakeholders do sector imobiliário começam a perceber que ter edifícios sustentáveis pode fazer aumentar o valor dos imóveis, sendo reconhecidos pelos utilizadores. Porém, em Portugal, o que temos é um conjunto de regulamentos e regras que visam dotar os edifícios de algum conforto térmico, alguma eficiência energética, mas pouco mais. Estamos muito longe de atingir um nível de maturidade do sector imobiliário e da construção que esteja ajustado às exigências e metas que existem para cumprir nas próximas décadas.

Quais os principais desafios para a implementação de práticas mais sustentáveis no imobiliário e nas cidades?

O sector imobiliário será sempre um dos pilares da sociedade, desde logo pelo garante de acesso à habitação, aos serviços básicos e complementares e, como tal, um dos sectores que tem de estar sempre preparado para responder a esta transformação.

Para responder a estes desafios, de forma a acompanhar esta mudança, os “executores” do sector tem de ganhar competências em matérias fundamentais. É de vital importância saber como vão implementar as boas formas de ESG nas organizações e nos projectos imobiliários, como ter boas e sustentáveis práticas, como transformar a construção, como liderar pelo exemplo e como alinhar a estratégia de uma organização com estes desafios.

O principal desafio é de que forma consegue o sector aumentar a sua maturidade nestas matérias, alinhados com as melhores práticas de mercado e com uma nova abordagem holística da gestão imobiliária, que extravase a viabilidade financeira, e alie esta às dimensões social e ambiental e à prova do futuro.

Várias associações do setor têm colocado em causa o Programa de Apoio a Edifícios Mais Sustentáveis 2023 lançado recentemente. "Estes apoios têm vindo a retroceder e apenas a favorecer a colocação de equipamentos que tornam mais eficiente a climatização, supondo apenas uma melhoria na eficiência energética do edifício e ignorando por completo a tão necessária descarbonização dos materiais e da taxonomia aplicada ao setor da construção", refere", esta é uma crítica do Portal de Arquitectura e Construção Sustentável (PCS): https://www.diarioimobiliario.pt/Programa-de-apoio-a-Edificios-mais-sustentaveis-e-um-enorme-retrocesso Outra crítica vem da ANFAJE:  https://www.diarioimobiliario.pt/Portugal-continua-a-adiar-a-aposta-no-conforto-e-eficiencia-energetica-dos-edificios-ANFAJE Qual a sua opinião sobre estas críticas e o que considera positivo e negativo deste programa?

Não reforçando as críticas, esta é uma questão de ambição e decisão política.

É verdade que são apoiadas pequenas intervenções, que visam pequenos incrementos no desempenho dos edifícios, sobretudo energético. E, quando falamos de intervenções avulso, a garantia do resultado efectivo não é, efectivamente, garantida.

Um edifício é um ecossistema, não funciona como um somatório de mecanismos, e cada caso é um caso. Necessitamos de planos de melhoria desenvolvidos por técnicos capacitados para cada imóvel, que priorizem e acompanhem as intervenções, no sentido de melhorar o seu desempenho e o tornar mais sustentável numa visão integrada do processo.

Mas de uma coisa temos de ter a certeza, sem estes incentivos chegaremos lá mais tarde.

São muitos os programas lançados pelo Governo agora no âmbito do PRR que pretendem incentivar aos projectos de sustentabilidade. É fácil aceder a esses programas? Serão realmente aproveitados pelas empresas, autarquias, promotores, pelos investidores, pelo público em geral?

Os apoios lançados pelo governo têm, naturalmente, requisitos para admissão aos mesmos. No entanto verificamos, por exemplo, que no anterior programa “Edifícios mais Sustentáveis”, encerrado em Maio passado, o mesmo apoiou cerca de 70 mil candidaturas, sendo este um número claro de acesso e interesse da população a este tipo de programas, permitindo a muitos portugueses a reabilitação das habitações, ou seja, torná-las mais eficientes, contribuindo diretamente para uma maior poupança no orçamento familiar em termos energéticos.

Mas a estratégia de longo prazo para a renovação dos edifícios indica que até 2050, faltando 27 anos, todos os edifícios terão de ser renovados, o que é natural. Segundo os censos 2021 possuímos 3.573.415 edifícios de habitação, ao ritmo de 70 mil candidaturas (o que não é garantia de execução), precisamos de 50 anos. Não vamos lá só com estes apoios. É necessário um compromisso mais forte dos proprietários e utilizadores, com e sem apoios.

Nearly-Zero, Net-Zero, Energy Positive, Near Zero Energy Building (NZEB): todo o tipo de termos, normas e práticas têm aparecido no sector da construção em Portugal. Mas estão a ser cumpridas ou não passam de siglas? As metas impostas pela CE serão atingidas?

Segundo o relatório de 2020 da Comissão Europeia sobre o desempenho energético dos edifícios na União Europeia, Portugal apresentava uma melhoria no que diz respeito ao consumo de energia em edifícios de 22,8%, entre 2005 e 2018. Assim, segundo os especialistas, Portugal tem vindo a seguir as tendências europeias em termos de regulamentação, nomeadamente em termos de resíduos e de emissões de gases de efeito de estufa. No entanto, os conceitos de sustentabilidade ambiental são ainda recentes para este sector, havendo ainda um longo caminho a percorrer para cumprir com as metas estipuladas.

O impacto ambiental do imobiliário é muito pesado. Como se pode melhorar?

Como já indicado, não haverá sucesso na mitigação dos impactos ambientais globais sem o setor imobiliário. Daí a sua importância em qualquer estratégia de sustentabilidade, descarbonização e transição energética.

Neste quadro, em que a construção ocupa um lugar de destaque na economia, e apesar dos grandes avanços já alcançados, continuamos a verificar que a mesma ainda persiste na mão-de-obra não qualificada e no uso de métodos de construção tradicionais. Não é, por isso, de estranhar que exista um consumo excessivo de matérias-primas, de recursos energéticos não renováveis e excessiva produção de resíduos, e isto verifica-se em toda a cadeia de abastecimento.

É, por isso, urgente reforçar a resistência térmica dos habitações e edifícios como forma de reduzir a sua dependência energética; reduzir a dependência de fontes de energia não renováveis, com incentivos à autoprodução (produção de proximidade e acções locais) e encontrar novas formas sustentáveis de energia; é necessário cruzar a estratégia de intervenção no edificado com a mobilidade sustentável; é imperativo aprimorar a eficiência hídrica, a economia circular e a gestão de resíduos; é preciso utilizar materiais éticos, sustentáveis, seguros e responsavelmente fabricados aplicando-os em toda a cadeia de valor e subcontratados.