CONSTRUÍMOS
NOTÍCIA
Opinião

 

Da peste do intervencionismo à praga da anarquia!

7 de julho de 2020

Vivemos tempos bíblicos. Quis o ano 2020 brindar-nos com o regresso da peste e com ela todos os males a esta associados!

E Do Mal não se livraram os proprietários dos vulgarmente designados Centros Comerciais (CC) e os Lojistas pois, para proteção da saúde pública e da população em geral, veio o Estado impor o encerramento de todas as lojas comerciais, com exceção de algumas atividades residuais por se considerarem essenciais para o funcionamento da sociedade (supermercados, farmácias...).

Os contratos que regulam as relações entre CC e Lojistas são, atualmente, de forma incontrovertida, considerados contratos atípicos, que não se encontram abrangidos pelas regras próprias dos contratos de arrendamento não habitacional. Compreendem uma série complexa de serviços por parte dos CC, contra uma contraprestação dos Lojistas, composta por renda fixa, acrescida de uma parte variável, calculada sobre o volume das vendas, mais os encargos inerentes ao funcionamento do próprio CC (luz, avac, segurança, etc).

O fecho das lojas físicas e demais medidas de confinamento impostas pelo Governo da República, levaram a uma quebra abrupta do consumo e praticamente à paralisia do setor retalhista. A realidade que ora surge pós confinamento confronta-nos com uma alteração dramática e abrupta da sociedade e da sua forma de funcionar. Disso não foram nem são alheios os CC, os hábitos de consumo e os Lojistas.

Na doutrina e jurisprudência atuais, consagra-se a importância da base do negócio. O Código Civil remete-nos para o art. 437º. Aí se regula a alteração das circunstâncias em que as partes fundaram a sua decisão de contratar. Diz o referido artigo no seu nº 1: “Se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato, ou à modificação dele segundo juízos de equidade, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afecte gravemente os princípios da boa fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato.” São aquelas circunstâncias que comummente levaram as partes a contratar, e a contratar assim. Fazem com que o contrato seja o que é, de modo que seria injusto manter as partes vinculadas se essas circunstâncias sofressem uma modificação essencial.

Ora entenderam os deputados da nação intervir, legislando de modo a definirem como acomodar esta alteração anormal das circunstâncias, que levaram CC e Lojistas a verem a sua atividade económica paralisada por consequências da pandemia.

As soluções apresentadas na Lei no 4-C/2020, de 6 de abril, publicada no Diário da República nº 68, 1ª Série de 6 de abril, vieram basicamente estabelecer uma moratória acrescida de um plano de pagamento prestacional, onde Lojistas manteriam a 100% a sua obrigação de pagar rendas e encargos!

A solução encontrada causou estranheza, não só porque tratava de forma igual arrendamento habitacional, não habitacional e todas as outras formas de exploração comercial de prédios (isto quando há anos que se consagrou a atipicidade da relação contratual existente entre CC e Lojistas) como, no caso destes últimos, destruiu completamente o sinalagma da relação contratual pois uma parte sofria todas as consequências das pandemia (os Lojistas) enquanto a outra (CC) mantinha integralmente o seu rendimento!

Foi precisamente este desequilíbrio causado (pela certamente bem intencionada, mas precipitada) legislação da Lei no 4-C/2020, de 6 de abril, que a proposta de projeto de lei 452/XIV/ 1º, vem tentar corrigir.

Esta, não só vem reconhecer o caráter atípico da relação contratual entre Lojistas e CC, como vem repor a equidade no impacto das alterações profundas e anormais que a pandemia veio causar, nos termos e efeitos contratuais.

Em síntese, vem o referido projeto de lei estabelecer que, até dezembro de 2020, os referidos contratos somente poderiam cobrar a componente variável da renda (repartindo dessa forma equitativamente entre ambas as partes o impacto da quebra abrupta de rendimento que a pandemia causou) como estabeleceu as regras de negociação que as partes deveriam obedecer, para fixar as modificações que o contrato deveria sofrer, consequência das novas circunstâncias impostas pela pandemia, segundo juízos de equidade.

Ao fazê-lo emendou e bem, em nossa opinião, o legislador a mão, corrigindo a grave injustiça que a Lei 4-C causava, devolvendo ao setor privado (através do mecanismo de negociação aí consagrado) a fixação do equilíbrio contratual, em respeito pela liberdade contratual das partes!

O resultado (final) é substancial e enriquecedor. Não matámos a peste nem o pacta sunt servanda, conjugámo-lo com o rebus sic stantibus devolvendo justiça à relação contratual.

 José A. Nogueira

Advogado / Managing Partner RSN Advogados

*Texto escrito com novo Acordo Ortográfico