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Opinião

 

Produzir a sua própria eletricidade e ainda vendê-la? É possível

29 de março de 2018

A produção e o fornecimento de eletricidade tradicional ainda se encontram num sistema centralizado, com os grandes geradores de energia a fornecerem a maior parte da eletricidade produzida. No entanto, esta situação encontra-se em mudança com o aumento da adoção de sistemas de micro geração, onde os produtores domésticos de energia assumem um papel mais ativo. Assim, em vez do atual sistema centralizado, os consumidores que possuem unidades de micro geração poderão vender o seu excedente energético numa rede “peer-to-peer” a outros participantes da plataforma. Deste modo, as pessoas que vendem a sua própria eletricidade deixam de ser mais do que simples “consumers” e passam a ser “prosumers”. Ou seja, para além de produzirem a sua própria eletricidade e de a consumir, também podem vendê-la.

Em vez de comprar a energia elétrica a um único fornecedor, os consumidores comprarão e venderão eletricidade num mercado aberto, podendo trocar essencialmente o seu fornecedor de energia, de minuto a minuto, ou até mesmo aceder ao produtor de energia. Desta forma, os produtores de eletricidade poderão colocar energia no mercado, reduzindo os intermediários aqui existentes.

A tecnologia, por sua vez, permite um maior controlo de todos os fluxos de eletricidade no que respeita à sua transmissão e armazenamento. Ao aumentar a rapidez com que se executam as operações é possível aumentar o equilíbrio da procura e a capacidade de resposta, reduzindo custos e potenciando novas tecnologias de armazenamento, nomeadamente as baterias. Por exemplo, sempre que os volumes de eletricidade produzida excedam os requisitos existentes, os contratos inteligentes podem ser usados de forma a garantir que o excedente energético é automaticamente enviado para unidades de armazenamento. Por outro lado, a energia armazenada poderá ser utilizada quando a quantidade de eletricidade produzida não é suficiente. Com efeito, os contratos inteligentes podem ser então usados no equilíbrio da oferta e da procura, bem como para monitorizar o funcionamento das centrais virtuais.

Nos últimos anos, a descentralização da rede tornou-se num tema em constante destaque, sobretudo devido à tecnologia que permite a aferição de valores consumidos e às tecnologias de informação, assim como à constante difusão da Internet. A abordagem centralizada exige uma autoridade central para lidar com as contas e os pagamentos, logo, a disponibilidade e a confiabilidade do sistema estão comprometidas se o mesmo falhar.  Ao invés de se comunicar com um único servidor que coleta e assuma uma gestão centralizada, é desejada uma abordagem “peer-to-peer” para fornecer decisões descentralizadas. Deste modo, a tecnologia blockchain poderá ser uma solução para a implementação deste tipo de abordagem.

Tecnologia Blockchain

Recentemente, a tecnologia blockchain tem vindo a ganhar destaque no que diz respeito ao seu potencial de gestão descentralizado. O blockchain é composto por uma cadeia de blocos, onde cada bloco armazena um conjunto de transações de ativos digitais. Nesta tecnologia, quaisquer alterações que apareçam em blocos registados, anteriormente, levariam à presença de inconsistências.

Segundo o artigo “Enabling peer-to-peer electricity trading” publicado pelos J. Murkin, R. Chitchyan e A. Byrne em 2016[1], resume a aplicação do blockchain no setor energético. Neste sentido, o artigo refere que o fornecedor doméstico de energia pode produzir a sua própria eletricidade, consumir uma parte e vender o excedente ou comprar no mercado quando a sua produção é insuficiente. Cada fornecedor doméstico deverá possuir um contador inteligente, instalado para o registo do consumo e geração de eletricidade. Os respetivos dados serão passados num administrador do sistema que funcionará como uma “casa de câmbio”, que fará a conversão de unidades de energia (p.ex. kWh) para o valor do sistema em blockchain.

O sistema “tokenizará” a geração de eletricidade e associará os endereços dos fornecedores domésticos no blockchain. Essa “tokenização” permitirá que a geração de energia seja representada como uma sub-moeda na rede o que possibilitará a sua comercialização. Será preciso, igualmente, registar no sistema o equipamento de microgeração com o endereço da “carteira”. Ou seja, cada fornecedor doméstico registado nesta plataforma deverá ter uma “carteira” com a identificação/endereço do mesmo. O balanço comercial de cada participante e a comercialização da energia na plataforma é possível graças a um “contrato inteligente”.

Estes são “fragmentos do código” que implementam as regras de negócio que precisam de ser verificadas e acordadas por todos os intermediários da rede. Esses mesmos contratos são registados nos blocos e triggered por transações que requerem que cada bloco faça o upload do seu estado, com base nos resultados obtidos, após a execução do contrato inteligente. Dado que os blocos também são replicados em todos os nós da rede, estes oferecem um grande potencial de descentralização do controlo, atuando como substitutos de entidades intermediárias (terceiros).

Esta realidade que parece distante já é possível em alguns países, como a Estónia. Será que o futuro nos reserva mercados globais de energia verde, abertos e sem um controlo centralizado, e mais amplos aos investidores? A verdade é que conectando os produtores de energia verde diretamente com os consumidores e investidores é possível potenciar aos produtores a obtenção de capital através da emissão de tokens, ao conseguirem negociar diretamente com os compradores de energia, vendendo antecipadamente abaixo das taxas de mercado.

[1] J. Murkin, R. Chitchyan, A. Byrne, “Enabling peer-to-peer electricity trading”, 4th International Conference on ICT for Sustainability,(ICT4S 2016)

Aleksandra Krivoglazova

Gestora de Projeto Energia Simples

*texto escrito com o novo acordo ortográfico