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Opinião

 

O jogo da lula

8 de novembro de 2021

Nos primeiros minutos da polémica série sul-coreana Squid Game há uma cena que diz muito sobre o comportamento humano: um homem, aparentemente bem-sucedido, desafia outro que, descobrimos depois, está enterrado em dívidas, para um jogo. Cada um deles tem uma espécie de envelope feito de cartão, que lançam para o chão de forma alternada. Ganha o primeiro que conseguir, com um único lance, tirar o envelope do adversário do quadrado pré-definido de jogo.

O homem bem-sucedido explica as regras e acrescenta que, se o seu adversário ganhar, este recebe uma determinada soma em dinheiro. Se perder, terá que pagar. Logo no primeiro jogo, o infeliz endividado perde e, como não tem dinheiro para pagar, o outro jogador propõe-lhe dar-lhe dois tabefes pela derrota, o que é aceite. Nos minutos seguintes, vemos uma sucessão de imagens, em que o primeiro ganha sempre ao segundo, com este a ficar com a cara encarnada e inchada à conta das estaladas que vai levando. Quando, finalmente, o desgraçado ganha uma partida, até se esquece que o prémio foi a quantia acordada e avança, afoito, para dar os dois bofetões merecidos. O bem-sucedido jogador trava a mão deste no último segundo e, lembrando-lhe que a aposta era em dinheiro, dá-lhe a quantia prometida. O desgraçado vai para casa feliz, com dinheiro, mas com a cara feita num bolo.

Lembrei-me desta cena por causa do suposto novo portal só para profissionais que, segundo as aspirações mais optimistas do sector, vai colocar os idealistas desta vida na ordem e unir a classe em torno de um objectivo comum (por favor não sorrir).

Não me levem a mal, porque até acho que, em teoria, a coisa teria tudo para funcionar: este seria um portal exclusivo para o sector – acabava-se, por isso, a festa dos portais mistos, onde os consultores e as imobiliárias têm poucos direitos e muitos deveres e os particulares só direitos e praticamente zero deveres.  Diz quem sabe que neste futuro portal, a informação que dele conste e o investimento que é lá colocado deverá servir para proteger os profissionais imobiliários e, ao mesmo tempo, levá-los a aderir a uma plataforma que seria exclusiva e, como tal, no limite, levaria à saída em massa dos profissionais dos portais de carácter mais “inclusivo”, digamos assim.

Claro que, para tudo isto funcionar bem, será preciso que as marcas estejam, desde a primeira hora, envolvidas neste projecto, esquecendo-se ódios e rivalidades antigas em nome de um bem comum. E claro que também será necessário que pequenos e médios empresários, que são a grande maioria das licenças AMI, estejam de corpo e alma aqui e percebam que terão que jogar com os grandes para participarem do eventual sucesso.

Na semana passada, no Facebook, o Agente Funini colocou o dedo na ferida, antecipando o que classificou como a tempestade perfeita. Não vou aqui reproduzir os argumentos que li e que, na sua essência, concordo. Mas deixo aqui algumas perguntas que nos devem fazer pensar: porque é que não há ainda formalmente um acordo entre os masters das maiores marcas para este novo portal? porque é que a ASMIP e a APEMIP, embora tenham percebido que é preciso fazer algo, tardam a dar os passos concretos para o fazer?; porque é que não se encontram parceiros financeiros credíveis, que joguem apenas num único tabuleiro e não estejam a apostar em vários para ver onde é que as modas pegam?

Estas e outras tantas perguntas estão ainda sem resposta. Neste momento, os principais players, que podiam fazer a diferença, comportam-se como o desgraçado jogador do Squid Game: sabem que existe um problema, mas acreditam que um dia vão conseguir vencer o sistema. Até lá, ficam felizes nessa esperança, não reparando que já têm a cara feita num oito, à conta das sucessivas chapadas que vão levando, ao mesmo tempo que sonham com os tabefes que vão, finalmente, dar aos portais que lhes pedem cada vez mais por cada vez menos. Vejamos se, nos próximos meses, algo efectivamente se modifica ou se se muda apenas de jogo, porque quem tem força para fazer diferente continua a acreditar que, se for rápido o suficiente, consegue evitar os tiros certeiros da boneca do macaquinho do chinês.

Francisco Mota Ferreira

Consultor imobiliário