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Mulheres na Arquitectura – o peso da profissão e desigualdades profissionais

8 de abril de 2022

Um artigo recente intitulado “The Unspoken Burden on Women in Architecture”, escrito pela jornalista Julia Gamolina na Metropolis, destaca a maior dificuldade de progressão na carreira para arquitectas e os desafios acrescidos de trabalho por trabalharem um “mundo de homens”, onde o descrito são cenários que eu reconheço imediatamente (com um vídeo muito interessante de testemunhos de várias mulheres, líderes no seu sector a relatarem as suas experiências) e que me deixa novamente uma sensação que o tema tem mesmo que continuar a ser falado para irmos mudando este quadro (espero que quando as minhas filhas entrem na sua vida profissional já tenha mudado!). É importante reforçar a necessidade de paridade também na nossa área de trabalho, sobretudo ao nível dos cargos de topo.

Em 2019 (última atualização do site Pordata), do universo de 83.193 diplomados, quase 50 mil eram mulheres, contra cerca de 33 mil homens. Há mais de 30 anos que Portugal tem mais mulheres licenciadas do que homens. Se há mais mulheres que homens nas faculdades, o que sucede a seguir?

Os estudos mais recentes relativos à condição mulher em cargos de responsabilidade traz dados alarmantes - o estudo da McKisney em 2021 sobre a condição laboral das mulheres nos Estados Unidos destaca que no auge da pandemia nos Estados Unidos em 2020, vimos os deveres domésticos recaírem novamente mais sobre as mulheres gerando um aumento de pressão entre as mulheres profissionais liberais, e a partir de 2021, em vez de melhorar com o regresso ao local de trabalho, o que sucedeu foi uma sobreposição dos mesmos com as responsabilidades nos locais de trabalho. Stress, burn-out e exaustão, tem tido uma factura mais pesada nas mulheres que nos homens, havendo um aumento de casos de burn-out entre a classe profissional feminina em 2021 - uma em cada três mulheres em cargos superiores considerou sair do seu emprego actual ou diminuir a sua posição de responsabilidade o ano passado.

 “Women in Architecture” (Mulheres na Arquitectura) é uma organização que através das publicações The Architectural Review e Architects’ Journal tem procurado melhorar a profissão promovendo a igualdade de género no trabalho, com um inquérito anual que permite aferir dados estatísticos na profissão e vários eventos ao longo dos anos para promover a escolha da profissão junto das gerações mais novas, incluindo um prémio anual que destaca e premeia o trabalho desenvolvido por uma Arquitecta, enaltecendo a participação feminina numa profissão que aparece dominada pelo universo masculino – seria importante tal estudo ser feito em Portugal.

Já há oito anos que este inquérito tem vindo a denunciar um “gender pay gap” (diferença salarial entre géneros), existindo um pagamento diferencial de vencimentos no Reino Unido para mulheres e homens na mesma posição em firmas de arquitectura, mostrando consistentemente uma diferença salarial com mulheres a receberem menor vencimento que homens. Em 2018, e com um acumulado de dados já significativo observa-se uma chocante diferença entre homens e mulheres de cerca de 50.000£ para posições idênticas de coordenação de projecto.  

Para além da diferença salarial, também a progressão na carreira é falada ao longo do artigo e curiosamente destaca-se que tem havido um decréscimo do número de mulheres na profissão, o que significa que as mulheres estão a desistir de ser arquitectas, pois continuam a ingressar mais mulheres nos cursos de Arquitectura, que acabam por não exercer ao fim de uns anos. É uma realidade dura de engolir, quando me deparo, desde que comecei a trabalhar, com arquitectas tão talentosas (tanto em Portugal como no Reino Unido, desde juniores a cargos seniores), cuja tenacidade e capacidade de trabalho nunca fariam ninguém questionar o seu género (ou se são mães p.e.) e se por esse motivo estariam “menos” capacitadas para exercer a função em questão. 

De acordo com as conclusões da organização Women in Architecture, este decréscimo parece estar intimamente ligado com a questão da discriminação positiva. No Reino Unido, têm-se criado muitas proteções ao longo dos anos para beneficiar a maternidade e o apoio à primeira infância. No entanto esses apoios tendem a ser um dos factores causadores desta diminuição de número de arquitectas. Quem conhece ou lida com arquitectos, sabe o quão obcecados muitas vezes são estes profissionais com a sua profissão, estendendo horários de trabalho e dedicando longas horas em busca do desenho ideal. Esta situação acontece com a maioria das profissões do meio criativo e muitas vezes me questiono como se conjuga tudo (família e trabalho/projecto) e se consegue um equilíbrio saudável? As minhas filhas já desenham sobre papel vegetal desde tenra idade, já que lhes calhou na rifa dois pais do meio criativo.

O intrigante é o facto de, apesar de se terem feito muitos esforços no sentido de melhorar a estas condições no Reino Unido, e num momento de auge de igualdade de oportunidades e sensibilização para esta causa, esses benefícios terem actuado no sentido inverso. Ou seja, criou-se uma situação perversa em que se oferecem benefícios a curto prazo que criam “desajudas” a longo prazo que desmotivam as arquitectas de prosseguirem com uma carreira que parece estar condenada à partida – uma delas, citada no artigo, é a criação de soluções de part-time para mulheres com filhos.

Com o intuito de promover o equilíbrio família/trabalho, acabaram por se criar posições laborais, que estão quase exclusivamente alocadas a mulheres e que criam um estereotipo feminino que estrangula (ou dificulta, no mínimo) a possibilidade de progressão na carreira e atribuição de projectos de maior envergadura. E porque aos homens não se oferecem estas posições com menor responsabilidade (sendo seguramente menores os casos em que o “cuidador principal” é o homem) - uma situação que é muito bem-intencionada cria de forma invisível os chamados “gender getthos” (ghettos de género).

Mas também questiono, poderia ser de outro modo? É uma situação que é benéfica para a todos, entre hábitos culturais e a nossa natureza, seria de assumir, naturalmente, que a maioria das mulheres sentir-se-ia confortável nessa posição, e os empregadores diriam que as suas trabalhadoras estariam agradecidas pela possibilidade de dedicarem mais tempo aos filhos.

Mas não existe apenas a mãe - cuidadora. Existe o pai. Nem todos os homens procuram uma progressão constante na carreira como também nem todas as mulheres estão focadas em ficar em casa a tomar conta dos filhos. São estes os estereótipos que se devem quebrar. As oportunidades têm que ser iguais para ambos.

Sobre Portugal temos poucos dados sobre as nossas arquitectas, os fornecidos pelo Architects Council of Europe, dizem o contrário para Portugal - tem havido uma subida constante no número de mulheres na profissão – não sabemos contudo quais as posições que ocupam nas empresas.  Sobre as diferenças salarias na área da arquitectura nada existe, no entanto na análise feita pela Comissão para a Igualdade no Trabalho e Emprego (CITE) conclui-se que existe uma disparidade salarial, sendo esta maior ao nível dos quadros superiores e profissões altamente qualificadas e habilitações académicas mais elevadas, o que não é uma boa perspectiva. Recentemente no Expresso um artigo destaca a diferença salarial entre homens e mulheres e o facto que embora as mulheres tenham mais qualificações nem isso as protege de receberem menos ( em 2019 as mulheres recebem menos 122 euros que os homens considerando o ganho médio salarial e 41,4% tinham formação de ensino superior comparando com 26,4% dos homens)

Um longo caminho ainda teremos de percorre para equilibrar a relação família/trabalho e eliminar a desigualdade salarial por género – que parece ir no bom caminho com a nova Lei da Igualdade Salarial que entrou em vigor em Fevereiro de 2019 – devendo, contudo, olhar-se para os países que já há mais anos percorrem este caminho e evitar-se cair no extremo oposto, do tratamento estereotipado, com noções de proteccionismo feminino que por vezes não são benéficas para as mulheres. No final de contas, o importante será celebrar a igualdade e promover os bons profissionais.

Mariana Morgado Pedroso

Directora Geral Architect Your Home Portugal