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Opinião

 

Efeitos da “Airbnização” do Mercado de Habitação em Lisboa

7 de novembro de 2016

Uma conjuntura internacional altamente favorável associada ao aumento da atractividade turística da cidade de Lisboa, resultaram num crescimento exponencial da procura de Lisboa como destino de eleição. 

São conhecidos os recordes que o mercado de turismo de Lisboa tem vindo a bater sucessivamente: número de passageiros que aterram no seu citadino aeroporto da Portela, número de turistas que desembarcam no seu porto natural; número de turistas na cidade de Lisboa, número de dormidas.

Este crescimento exponencial do mercado de turismo, está a modelar, directa e indirectamente, o mercado de habitação da capital.

Directamente, temos os residentes não habituais e clientes do programa Golden Visa, aqui entendidos como “turistas” de longa duração, a comprarem habitação para utilização descontinua ou por períodos de tempo balizados (semanas, meses), beneficiando de um regime especial de tributação ou autorização de residência.

Contrariamente ao habitualmente divulgado, os dados recolhidos e analisados pela ImoEconometrics indicam que o programa Golden Visa (Autorização de residência para efeitos de investimento) representa um peso reduzido no número total de transacções de habitação a nível nacional (apenas 0,6% do total de transacções durante o período em vigência).

Indirectamente e, mais importante, temos o fenómeno do alojamento local. O dinamismo do alojamento local, operacionalizado através de plataformas online, onde o Airbnb é líder destacado, influenciou decisivamente os mercados de habitação da capital: não só o arrendamento como a compra e venda de imóveis.

O mercado de arrendamento de habitação tradicional tem hoje de competir com um novo e extremamente dinâmico mercado de arrendamento temporário turístico.

Não se deve deixar de referir que o arrendamento tradicional em Lisboa já estava a competir com o mercado de arrendamento para estudantes universitários nacionais e estrangeiros (Erasmos, Programa Leonardo da Vinci). Com efeito, a capital já concentra a maioria da população estudantil no ensino superior em Portugal.

O aumento da procura de arrendamento de habitação por turistas inflacionou os valores das rendas no mercado de arrendamento de longa duração, tornando-as incomportáveis para uma larga franja de população, cujo rendimento disponível, infelizmente, tem registado uma trajectória em sentido oposto.

No entanto, o mercado de alojamento local também está a influenciar o mercado de compra e venda de habitações e parece ele mesmo estar a ajudar a definir os preços.

No mercado de compra e venda interagem todos aqueles que pretendem comprar e vender casas. Tradicionalmente, a grande maioria da clientela neste mercado eram as famílias que compravam habitação para utilização própria.

Hoje temos um grupo de novo segmento de clientes crescentemente importante, os investidores (nacionais e internacionais) que compram casas para colocação no mercado de alojamento local, conduzindo a uma “Airbnização” do mercado de habitação.

Este facto está a ter um impacto particularmente expressivo na dinâmica e estrutura do mercado de habitação de Lisboa.

O primeiro resultado, muito positivo, foi o impressionante processo de reabilitação do edificado degradado na cidade de Lisboa que está em andamento, a reabilitação tem permitido transformar e reutilizar um elevado número de edifícios que se encontravam devolutos e em estado de conservação deplorável, qualificando a cidade, melhorando a sua paisagem urbana e atractividade.

O segundo resultado também positivo foi a repovoação, neste caso em regime temporário e maioritariamente por estrangeiros, de partes da cidade votadas ao abandono. A cidade de Lisboa registou um processo de perda populacional ao longo das últimas cinco décadas, tendo diminuído em um terço a sua população inicial.

O terceiro resultado, agora negativo, foi a radical transformação da estrutura de preços da oferta habitacional em Lisboa. Segundo dados da ImoEconometrics, em Outubro de 2015, apenas 6% da oferta de habitação nova em Lisboa se situava numa gama de preços superior a 4.000€/m2, passado um ano, em Outubro de 2016, a habitação na gama de preços superior a 4.000€/m2 passou a representar 75% da oferta de habitação nova.

Esta radical transformação da estrutura de preços da oferta habitacional em Lisboa levanta algumas questões que merecem ser investigadas.

Será a oferta de habitação em Lisboa sustentável, no médio e longo prazo, posicionando-se num segmento de preço fora do alcance das famílias da classe média e média/alta, o target tradicional da oferta de habitação em Lisboa?

Tendo em conta os preços da oferta habitacional, será que os fundamentos do mercado de alojamento local, no médio e longo prazo, nomeadamente as taxas de ocupação, os valores médios das diárias e os custos de exploração, resumidamente os cash flows gerados, vão conseguir gerar uma rentabilidade do investimento após impostos compatíveis com o risco envolvido?

Joaquim Montezuma de Carvalho, PhD MRICS

Sócio Gerente da ImoEconometrics

Professor Auxiliar Convidado do ISEG/Universidade de Lisboa