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"E se a casa cair, deixa que caia…"

3 de julho de 2017

O Estado, não contente com o dinamismo do sector imobiliário, em particular em sede de reabilitação urbana, e desejoso de manter o charme das cidades Portuguesas com uns quantos prédios a cair e com pessoas neles a habitar ou a trabalhar, decidiu alterar, mais uma vez, o regime do arrendamento urbano no passado dia 14 de Junho, através das Leis n.º 42 e 43/2017.

Resultado: depois de décadas a sonegar aos proprietários o respetivo direito de propriedade, com inquilinos e rendas antigas que se eternizam no tempo, e depois de décadas a pôr em causa o direito a uma habitação condigna desses mesmos inquilinos (pois não há senhorio que se responsabilize por obras de conservação quando o mesmo recebe rendas completamente desfasadas da realidade), quando era finalmente chegada a hora de o Estado começar a ser um agente ativo na alteração do atual “status quo”, nomeadamente através do descongelamento de tais rendas e da atribuição de subsídios de renda aos inquilinos que não as pudessem pagar, o Estado decide, ao invés, empurrar mais uma vez com a barriga, promovendo a eternização de regimes transitórios e, com isso, demitindo-se por mais alguns anos da sua função social nesta matéria, deixando, de novo, para os proprietários tal responsabilidade social.

Em sede de contratos de arrendamento não habitacionais mais antigos, a solução do recente pacote legislativo também não é muito diferente. Naqueles casos em que os inquilinos são pequenas empresas com um baixo volume de negócios, o Estado, em vez de promover, de alguma forma, um apoio direto a tais empresas ou, no limite, numa lógica mais liberal de mercado, reconhecendo, pura e simplesmente, que a continuação das mesmas nos atuais espaços arrendados não é sustentável e que não têm procura suficiente para pagar uma renda a valores atuais em tais espaços, decide, pelo contrário, eternizar o regime transitório, promovendo, na prática, um congelamento de rendas por 15 anos, ao invés dos anteriores 8 anos. Também nesta sede continua a ser mais uma vez negado aos proprietários o respetivo direito de propriedade, sendo os mesmos novamente chamados a substituir-se ao Estado na sua função social. Também aqui o Estado continua a promover a manutenção de espaços comerciais obsoletos e inadequados ao exercício da atividade em causa.

Ainda que simbólico, não deixa também de ser curioso que, de entre várias outras medidas, o Estado decidiu ainda aumentar de 2 para 3 meses o número de pagamento de rendas em falta a partir do qual os proprietários poderão resolver o contrato de arrendamento em causa e intentar a correspondente ação de despejo. Qual o sentido a dar a esta medida? Estará o Estado a querer promover as situações de incumprimento dos inquilinos? Ou estará o Estado a querer promover o aumento das dívidas dos inquilinos para com os senhorios?

Enfim, numa época em que se discute a falta de oferta de imóveis para arrendamento, seria importante que o Estado, ao invés de estabelecer regras que levam a que os proprietários e investidores, em geral, desconfiem e se afastem ainda mais do mercado de arrendamento, se preocupasse mais, por um lado, em aprovar pacotes legislativos de incentivo à revitalização deste setor de mercado, com a adoção de medidas dinamizadoras do mesmo (p.ex. através da redução da carga fiscal dos senhorios, da obrigatoriedade de prestação de seguro de renda pelo inquilino, etc.) e, por outro lado, em ser ele próprio um agente mais ativo na oferta de arrendamento e na resolução dos problemas de habitação (p.ex. promovendo ele próprio a edificação de novos projetos imobiliários para arrendamento a custos controlados e uma maior oferta de arrendamento no atual património imobiliário do Estado, atribuindo subsídios de renda aos que mais carecem, etc.).

*Texto escrito com novo acordo ortográfico

Gonçalo de Almeida Costa

Associado Sénior da CCA ONTIER