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Conservação, reabilitação e valorização da muralha de Lagos

22 de outubro de 2018

Lagos é uma cidade com uma economia fortemente dependente de um turismo sazonal, que lhe traz grandes problemas de instabilidade na economia e no emprego, de gestão das infraestruturas e equipamentos. Os instrumentos planeamento e gestão, nomeadamente o Plano Estratégico de Lagos, apontam para a necessidade de diversificação das actividades económicas e para a própria diversificação do turismo, procurando atenuar os efeitos negativos da sazonalidade através do aumento do turismo cultural e de natureza, capazes de atrair visitantes em época baixa. A reabilitação do Património, para além do seu caracter de acto eminentemente cultural, é assim encarada à luz da política de desenvolvimento municipal como uma aposta numa economia mais estável e numa vida comunitária mais equilibrada.

A Muralha de Lagos é o imóvel mais importante do conjunto edificado de Lagos, não só pelo seu valor intrínseco, constituindo um exemplar único dos primórdios da arquitectura militar da pirobalística (*), como pelo facto de ser determinante na própria definição e caracterização do centro histórico da cidade, condicionando a sua estrutura urbana, em termos edificados e funcionais, e os pontos de vista que a conjugação entre a topografia do terreno e os vários elementos que a constituem, permitem desfrutar.

É um imóvel construído em duas épocas distintas. A Cerca Medieval, originalmente de forma quadrangular, é uma cerca típica do período da neurobalística(**), com os seus muros providos de caminho de ronda e coroados por merlões, dispondo de torreões adossados ao pano, portas protegidas por torres albarrãs e rodeada por uma alcárcova para drenagem das águas pluviais.

A Cerca Quinhentista, edificada nos meados do século XVI com provável autoria de Miguel de Arruda, aproveitou os tramos Sul e Nascente da Cerca Medieval, cujos tramos Norte e Poente acabaram por desaparecer, diluindo-se no tecido urbano intramuros, correspondeu a uma expansão urbana no sentido Norte, ao longo da Ribeira de Bensafrim, adquirindo uma forma pentagonal pelo facto de colocar os três baluartes da sua frente de terra no topo das três colinas que dominavam o território, tirando desta forma partido da topografia do terreno.

É uma cerca do período inicial da pirobalística, constituída por baluartes e estâncias providos de orelhões, com canhoneiras para tiro frontal e para tiro rasante, respondendo à necessidade de solução dos problemas do tiro de proximidade e dos ângulos mortos. Os panos da muralha são apenas cortinas de delimitação das áreas intra e extramuros, concentrando-se as defesas nos baluartes e estâncias.

A Câmara Municipal definiu que a intervenção no imóvel seria realizada através da elaboração de um Plano Geral de Intervenção nas Muralhas e Torreões da Cidade de Lagos (PGI), instrumento para a sua reabilitação e gestão, constituído por quatro projectos distintos, coordenados e elaborados de forma sequencial, o Estudo do Cadastro, o Projecto de Reabilitação, o Projecto de Iluminação de Valorização e o Projecto de Sinalética.

O PGI é complementado por um outro estudo já elaborado e em implementação, designado Plano de Promoção das Muralhas de Lagos (PPML), instrumento estratégico e integrado, que tem como objectivo garantir uma coordenação entre as acções de reabilitação, salvaguarda e valorização, com as acções de gestão e de promoção do imóvel, esta última entendida como a sua divulgação, estudo e interpretação, colocação em redes de conhecimento, circuitos turísticos ou geminações. O PPML será implementado em três níveis, Local, Regional/Nacional e Internacional, implicando a criação de duas estruturas para a sua gestão, o Centro de Estudos de Arquitectura Militar Miguel de Arruda (CEMA), com intervenção nos níveis Local e Regional/Nacional e a Rede de Fortificações da Fronteira Marítima (FRONTEMAR), estrutura que intervirá nos níveis Regional/Nacional e Internacional.

Apesar de considerarmos que as intervenções no imóvel devem partir de propostas do Projecto de Reabilitação, foram implementadas quatro acções de forma isolada, correspondendo a situações que colocavam em risco a segurança de pessoas e bens e que, também pela acelerada degradação que apresentavam, exigiam uma acção imediata.

No âmbito da implementação do PGI encontra-se em elaboração o Projecto de Reabilitação das Muralhas e Torreões da Cidade de Lagos, neste momento em fase de ante-Projecto. Na comunicação apresentam-se as suas estratégias, conceitos e formalizações. Esclarece-se o processo e o método, e sublinham-se algumas questões específicas ligadas ao restauro e à salvaguarda das materialidades de um sistema defensivo com o maior valor patrimonial.

(*) - utilização da pólvora como força propulsora

(**) - utilização como elementos propulsores a força resultante da flexão ou torção